http://youtu.be/wArnejQcGno
Os homens também caem,
como as folhas de outuno,
homens de verdade caem
dançando... (um belo
vídeo para apreciar)
Um velho truque
Hoje, pela manhã, fazia a minha caminhada matinal pela cidade. Solitário, vou pensando na vida e ideias costumam surgir me fornecendo material para esse verdadeiro papo que tenho com os leitores.
Andando pelas ruas, neste início de outono, temperatura bem fria para nós brasileiros, vi várias folhas de árvores, que, num breve voo, acabavam caindo no chão.
Com certeza, imaginei, isso que acabei de ver daria um belo haikai. Como o leitor sabe, o haikai é uma invenção japonesa. A intenção é captar este instantâneo, como num clique de máquina de retrato. E esse instantâneo tem que caber num pequenino terceto, em apenas 17 sílabas: 5/7/5.
Vou me abrir com o amigo leitor: simplesmente, não consigo por em palavras esse instantâneo eterno. Isso só oriental sabe fazer, sabe-se lá o porquê. O leitor poderia retrucar: são mais velhos que nós, os orientais. É bem possível, diria eu. As folhas cansaram de cair na minha frente, quase que suplicando um haikai da minha lavra. Deu vontade de falar: podem desistir! Pois é, o leitor agora deve estar perguntando: Por que não disse? Realmente, não disse, mas pensei.
Pois muito bem, siga comigo, meu bom leitor, nessa caminhada. Passo por uma rua que vai dar exatamente em frente ao CIEP, depois que se atravessa uma ponte. Muitos vão dizer: não era melhor dizer o nome da rua? Respondo: aqui em Miracema ninguém sabe nome de rua. Só conhecemos algumas ruas pelo apelido, tanto que a Prefeitura desistiu de colocar placas indicativas. E essa rua por onde passo agora nem apelido tem.
Surge o inusitado. Duas colegiais cruzam o meu caminho e ouço uma delas dizer, excitada: "fulana, era nove e poca" (tenho certeza que ela não falou pouca). E repetiu com ênfase: "fulana, era nove e poca". Algo muito sério aconteceu naquela hora. Sempre me interessei pelo detalhe, mas o detalhe humano. Vejam vocês, as folhas que caíram lá atrás não tocaram tanto a minha sensibilidade poética. Agora, esse nove e poca tinha algo de misterioso para mim. Só não sabia era desvendar o mundo que se escondia com essa expressão.
Mas tive o meu triunfo! Quase no fim da minha caminhada, na rua que dá em frente à minha casa (rua também sem nome), passa uma senhora de bicicleta, com um filhinho no colo. Para em frente a um estabelecimento comercial. Ao botar o pé no meio- fio, acontece a tragédia: ela aterrissa o pé, limpinho. Esse pé estava limpo, pude constatar. Repetindo: ela pousa o pé bem em cima de uma bosta de cachorro. Bosta mole, também pude ver!
Abrindo a porta de casa, ouvia seus gritos lancinantes: - Ai, minha Nossa Senhora! Minha Nossa Senhora! Que nojo! Que nojo! E uma coisa impressionante: nada pude fazer pela senhora aflita. Ou melhor, não quis me incomodar...
Meditei: não estaria toda a tragédia humana contida nesta cena?
Não acontecem, assim, quantas vezes, do nada, as tragédias humanas?
Conduzi o meu leitor até aqui e prometo que vou terminar. Mesmo porque finalizei o meu caminhar e já me apresso em tomar meu cafezinho matinal. Aprendi com meu amigo Seminale, um dos bons poetas do Recanto das Letras, que existe o poema chamado senryu, uma espécie de primo do haikai. Também um terceto, mas cujo objetivo é condensar os problemas humanos, podendo o poeta dar um tom cômico , irônico ou satírico ao que ele pretende retratar. Em suma, as vicissitudes do homem e da sociedade. Sem necessidade de rima ou de título.
Na vida há sempre um truque a ser aprendido. A duras penas aprendi alguns pequenos truques para escrever uma crônica. E posso até aventurar, neste começo de outono, a deixar para os amigos e amigas não um haikai, mas um senryu, bem mais brasileiro... Vamos lá:
Ares outonais
Folhas caídas
Aguardo minha queda.
Quanto à poesia da vida. Poesia da vida, ah!, é para poucos. Esse velho truque ainda tenho que aprender.
Nota: Texto republicado, com alterações e inclusão do senryu. Já avisei aos amigos e amigas de breve interrupção de minhas publicações, em razão de prioridades familiares. Foi bom interromper com uma prosa poética.
Os homens também caem,
como as folhas de outuno,
homens de verdade caem
dançando... (um belo
vídeo para apreciar)
Um velho truque
Hoje, pela manhã, fazia a minha caminhada matinal pela cidade. Solitário, vou pensando na vida e ideias costumam surgir me fornecendo material para esse verdadeiro papo que tenho com os leitores.
Andando pelas ruas, neste início de outono, temperatura bem fria para nós brasileiros, vi várias folhas de árvores, que, num breve voo, acabavam caindo no chão.
Com certeza, imaginei, isso que acabei de ver daria um belo haikai. Como o leitor sabe, o haikai é uma invenção japonesa. A intenção é captar este instantâneo, como num clique de máquina de retrato. E esse instantâneo tem que caber num pequenino terceto, em apenas 17 sílabas: 5/7/5.
Vou me abrir com o amigo leitor: simplesmente, não consigo por em palavras esse instantâneo eterno. Isso só oriental sabe fazer, sabe-se lá o porquê. O leitor poderia retrucar: são mais velhos que nós, os orientais. É bem possível, diria eu. As folhas cansaram de cair na minha frente, quase que suplicando um haikai da minha lavra. Deu vontade de falar: podem desistir! Pois é, o leitor agora deve estar perguntando: Por que não disse? Realmente, não disse, mas pensei.
Pois muito bem, siga comigo, meu bom leitor, nessa caminhada. Passo por uma rua que vai dar exatamente em frente ao CIEP, depois que se atravessa uma ponte. Muitos vão dizer: não era melhor dizer o nome da rua? Respondo: aqui em Miracema ninguém sabe nome de rua. Só conhecemos algumas ruas pelo apelido, tanto que a Prefeitura desistiu de colocar placas indicativas. E essa rua por onde passo agora nem apelido tem.
Surge o inusitado. Duas colegiais cruzam o meu caminho e ouço uma delas dizer, excitada: "fulana, era nove e poca" (tenho certeza que ela não falou pouca). E repetiu com ênfase: "fulana, era nove e poca". Algo muito sério aconteceu naquela hora. Sempre me interessei pelo detalhe, mas o detalhe humano. Vejam vocês, as folhas que caíram lá atrás não tocaram tanto a minha sensibilidade poética. Agora, esse nove e poca tinha algo de misterioso para mim. Só não sabia era desvendar o mundo que se escondia com essa expressão.
Mas tive o meu triunfo! Quase no fim da minha caminhada, na rua que dá em frente à minha casa (rua também sem nome), passa uma senhora de bicicleta, com um filhinho no colo. Para em frente a um estabelecimento comercial. Ao botar o pé no meio- fio, acontece a tragédia: ela aterrissa o pé, limpinho. Esse pé estava limpo, pude constatar. Repetindo: ela pousa o pé bem em cima de uma bosta de cachorro. Bosta mole, também pude ver!
Abrindo a porta de casa, ouvia seus gritos lancinantes: - Ai, minha Nossa Senhora! Minha Nossa Senhora! Que nojo! Que nojo! E uma coisa impressionante: nada pude fazer pela senhora aflita. Ou melhor, não quis me incomodar...
Meditei: não estaria toda a tragédia humana contida nesta cena?
Não acontecem, assim, quantas vezes, do nada, as tragédias humanas?
Conduzi o meu leitor até aqui e prometo que vou terminar. Mesmo porque finalizei o meu caminhar e já me apresso em tomar meu cafezinho matinal. Aprendi com meu amigo Seminale, um dos bons poetas do Recanto das Letras, que existe o poema chamado senryu, uma espécie de primo do haikai. Também um terceto, mas cujo objetivo é condensar os problemas humanos, podendo o poeta dar um tom cômico , irônico ou satírico ao que ele pretende retratar. Em suma, as vicissitudes do homem e da sociedade. Sem necessidade de rima ou de título.
Na vida há sempre um truque a ser aprendido. A duras penas aprendi alguns pequenos truques para escrever uma crônica. E posso até aventurar, neste começo de outono, a deixar para os amigos e amigas não um haikai, mas um senryu, bem mais brasileiro... Vamos lá:
Ares outonais
Folhas caídas
Aguardo minha queda.
Quanto à poesia da vida. Poesia da vida, ah!, é para poucos. Esse velho truque ainda tenho que aprender.
Nota: Texto republicado, com alterações e inclusão do senryu. Já avisei aos amigos e amigas de breve interrupção de minhas publicações, em razão de prioridades familiares. Foi bom interromper com uma prosa poética.