Vinagre

Eu não tinha inspiração para escrever nada diferente.

Estava de novo deitado num colchão, com dois ventiladores ligados em cima de mim,

tentando fugir de um enxame assassino de mosquitos que se infiltrou no meu quarto.

As miseráveis pareciam ser imunes ao inseticida que eu tinha comigo.

Deviam estar usando a porcaria como perfume antes de sair para acasalar e sugar meu sangue.

Pois bem. Estava ali, deitado, como de costume em alta madrugada. Eu devia estar dormindo, se quisesse acordar às 7 da manhã para trabalhar segunda feira, mas já havia me conformado em ter apenas umas 4 horas de sono naquele dia.

Me sentia angustiado com algumas idéias pipocando na cabeça e não conseguia colocar nada no papel. Era uma sensação daquelas, quando se tem uma palavra na ponta da língua mas não se consegue lembrar exatamente qual.

...

Uma coisa sobre mim é que boa parte do que eu produzia em texto, seja verso ou prosa, estava ligado a minha situação com alguma mulher.

Bem ou mal eu só escrevia quando estava apaixonado ou na fossa (ou no meio termo entre as duas coisas).

Naquele exato momento eu não estava em lugar nenhum entre esses dois extremos.

Estava vazio e me sentia bem por isso.

Meu último envolvimento tinha sido fatal nesse ponto. Há uns seis meses que eu não experimentava algo emocionalmente intenso com uma mulher.

Parte de mim estava grato com essa nova fase, mas a outra parte não sabia o que fazer com ela.

Tantas coisas estavam acontecendo no mundo naquele período.

Instabilidade política na Criméia e como bônus uma chance de uma terceira guerra mundial.

Conflito nuclear et cetera e tal.

Protestos anti-copa do mundo, escândalos de corrupção sem fim, reacionários pedindo volta da ditadura militar. Jornalista inflamando o povo a fazer justiça com as próprias mãos em plena rede nacional.

Avião sumindo dos radares , gente falando em seqüestro, terrorismo e até em abdução por ETs.

Uma tese de doutorado esperando ser escrita, os prazos se apertando cada vez mais...

necessidade de juntar algum dinheiro, mudança de cidade (oh, a tão esperada mudança de cidade)

Tudo isso me preocupava menos do que meu período de vacas magras de escrita.

Eu tinha algo como um egocentrismo literário.

Só conseguia falar de mim. De como me sentia, como pensava, como via um relacionamento ou uma mulher. TUDO girava ao redor daquela temática.

Me tire isso e não sobrava nada.

Tira a droga de um viciado e o deixe em isolamento.

Com certeza o coitado vai pirar. Ainda mais se for viciado há muitos anos, como eu era... (pelo menos 10 anos)

Eu não me via enlouquecendo, mas me via amargando.

Como um vinho que se deixa aberto e em pouco tempo vira vinagre.

Eu era vinagre naqueles dias... Afogado em cerveja e preguiça.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/03/2014
Código do texto: T4731878
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