* Numa linda manhã ensolarada perguntei a um querido camponês se é possível retornar ao passado.
 
Surpreso eu ouvi uma resposta afirmativa.
O humilde homem revelou que as fantásticas viagens de volta jamais alterariam as ocorrências significativas.
Não conseguiríamos evitar uma guerra devastadora ou impedir uma implacável catástrofe de acontecer, no entanto seria fácil desfazer a pedra intencional na janela da vizinha antipática ou libertar um pássaro o qual nunca mereceu estar preso.
O amigo camponês concluiu esclarecendo que apenas três situações renovaríamos, portanto valia a pena refletir sobre as escolhas.
 
Bastante impressionado comecei a analisar que coisas eu gostaria de mudar na minha vida.
Logo vi surgirem, na tela mental, três momentos que desperdicei.
 
* Somando não mais do que treze anos, havia uma enorme mangueira no quintal da casa ao lado. Naquela tarde a residência estava vazia.
O dono sempre catava as mangas todas as manhãs, mas, nesse dia, as frutas tentadoras não foram retiradas da árvore. 
Vi muitas mangas lindas e saborosas. Por que não pegá-las?
Imediatamente percebi um cão rondando o quintal da casa.
Tive medo, preferi não arriscar.
 
Se fosse possível retomar o pretérito, eu agora pularia o quintal, seria rápido, subiria veloz, roubaria algumas mangas, depois tentaria evitar o ataque do cachorro vigilante.
Restaria correr, pular o muro e retornar à minha casa.
Certamente eu terminaria a aventura com arranhões e talvez uma forte mordida. E daí?
Após superar os obstáculos, as mangas recompensariam a aflição.
 
Eu hesitei, deixei o medo prevalecer, perdi a chance de provar mangas deliciosas, as mais gostosas que o meu paladar já conheceu.
Ah! Como fui tolo! Muito tolo!
 
* Perto dos meus dezesseis anos, conversando com uma formosa garota na praça, senti uma vontade imensa de beijá-la.
O suave encanto dos olhos da mocinha, o leve perfume que ela estava usando instigaram um desejo ardente, porém eu resisti.
Valorizei o fato dela namorar um colega, desprezei os próprios anseios da menina, me preocupei com a presença de várias testemunhas na pracinha, enfim, ressaltando motivos irrelevantes, deixei de saborear aquele beijo incrível.
 
Se fosse possível refazer o passado, eu hoje a beijaria, não ligaria caso ela reclamasse. O namoradinho talvez, quando soubesse, me batesse, contudo nada disso importaria.
As eventuais intempéries acabariam soando estúpidas.
No final o gosto do beijo ficaria impregnado na minha boca.
 
Eu hesitei, assisti passivo a timidez prevalecer, perdi a doce chance de provar, recordando todos os beijos que me fizeram sonhar, o melhor, o mais inesquecível e mágico.
Ah! Como fui tolo! Muito tolo!
 
* Quando vinte e seis primaveras me acariciavam, saí do Instituto de Letras mais cedo, pois um imprevisto cancelou as duas últimas aulas.
Resolvi parar na bonita orla de Ondina, todavia o cair da tarde me fez recordar que, no dia seguinte, ocorreria uma importante prova.
Não demorei, me levantei e peguei um ônibus.
 
Dentro do ônibus, percebi que aquele pôr do sol era especial.
Deu vontade de descer, voltar à praia, conferir o precioso descansar da estrela solar, entretanto não o fiz.
Sempre covarde permiti outra vez os medos e a ansiedade vencerem.
 
Se existisse a possibilidade de refazer o ontem, eu hoje adiaria o meu retorno, arriscaria revisar o conteúdo na madrugada, esqueceria a prova.
 
Algo me diz que aquele pôr do sol era bastante diferente.
Contam que há pores do sol nos quais ouvimos a voz de Deus.
Será que esse pôr do sol desprezado não foi um desses?
Temo que a pressa boba tenha me impedido de escutar Deus.
 
Uma ocasião única que enriquece a alma e suscita iluminar a vida!
Como pude ignorar?
 
Ah! Como fui tolo! Muito tolo!


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Evito fazer indicações, porém peço que leiam o conto “Ótima Loucura”.
É um texto diferente.
Foge do meu estilo de “bom moço”.
Ressalta bastante a realidade.
Oferta o gosto do pecado, mas dá vontade de provar.
Clique, confira e tire as suas próprias conclusões:

http://www.recantodasletras.com.br/contos/4715697
 
Um abração!

 
Ilmar
Enviado por Ilmar em 11/03/2014
Reeditado em 11/03/2014
Código do texto: T4723882
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