Narcisa

Um garoto, bem vestido e de aparência norte-americana, que se dizia conhecedor do mundo e das diferenças humanas, caminhava em uma estrada de chão de terra onde de um lado era uma parede de pedregulho e do outro um precipício. A estrada era extramente deserta do inicio ao fim.

Em uma parte esquecida desta estrada, o garoto avistou uma mulher suja e de cabelo desgrenhado, mas muito bonita. Ela tinha longos cabelos negros, uma pele clara e reluzente, seu rosto tinha traços finos, até parecia que ela tinha sido feita a pincel.

O garoto ficou desconcertado por ver aquela mulher de cabelos ao vento em uma parte da estrada onde ele nunca tinha avistado uma pessoa. Ele parou e pergunto-a?

- Qual é o seu nome?

A linda mulher balbuciou um estranho dialeto. O garoto não entendeu nada, se gesticulou, transformando palavras e sentimentos em gestos.

- Qual é o seu nome. -perguntou o garoto novamente gesticulando desta vez.

A curiosa mulher respondeu, mas parecia que ela estava em sua mente. Ele sentiu cada palavra e seu significado. E mesmo sem saber, ou pelo menos conhecer, o idioma ele conseguiu entender e sentir tudo que aquela voz jamais ouvida antes por ele falou.

- Sou Narcisa- disse a mulher.

Ele fez uma expressão curiosa e perguntou:

- De onde você é? Que dialeto é esse?

A mulher embaraçada de tantas perguntas, respondeu:

- Sou do centro, centro do egoísmo humano e falo a língua da solidão.

- Mas que país é esse? Fica em qual continente? – o garoto perguntou não entendendo as respostas desconexas.

Novamente, a mulher impressionada com as perguntas do garoto, respondeu:

- Não moro em um país, eu moro em mim, na minha cultura só eu existo.

O garoto nunca tinha ouvido falar de uma cultura de apenas uma pessoa, então pensou que a bela mulher devia está com fome por isso não havia sentido em suas palavras. “Ela deve estar delirando”- pensou o garoto.

O garoto retirou um pedaço de pão de sua bolsa e perguntou:

- Você está com fome?

A mulher nervosa se levantou, porque ninguém nunca tinha feito tantas perguntas quanto aquele garoto, ela passou a mão em seus cabelos negros, já irritadíssima e respondeu:

- Sim, eu estou. Estou com fome de vingança. Eu sempre morro em todas as histórias de sua cultura sobre mim e vocês me descrevem de uma forma que nem eu me reconheço, e você pode ver que sou totalmente diferente daquela alegoria criada por seu povo.

O garoto se assustou com as últimas palavras de Narcisa, mas ele não parou.

-Nunca ouvir falar de você, nem mesmo alguém parecido com você. – disse o garoto.

A mulher sentou-se novamente na pedra e esticou as mãos para o garoto sentar-se também. Ela repirou fundo e falou:

- Você já ouviu falar da mitologia de Narciso?

- Já! Com certeza! - ele fez uma cara de repudio e continuou a falar- Ele é um hipócrita que se preocupa apenas com sua beleza!

Ela repirou fundo e falou:

- Eu sou Narciso, na verdade sou Narcisa. Esta mitologia foi baseada na minha cultura, mas foi mal interpretada pela sua – desceu uma lagrima de seus olhos esverdeados, mas Narcisa continuou a falar – Eu, narcisiana, não me preocupo com a minha beleza, pois a mesma é passageira, no entanto me valorizo muito porque o mundo não faz isso por mim.

O garoto impactado com tamanho sentimento da mulher, perguntou:

- Mas, por que você só pensa em si?

- Não, eu penso mais em mim, mas isso não significa que eu não pense nas outras pessoas. Se eu não pensasse nos outros não estaria aqui falando com você, até porque não preciso me explicar a ninguém e mesmo assim faço questão de tal feito. – disse a mulher já aos prantos.

O garoto sensibilizado com as palavras da mulher, disse:

- Agora eu entendo que gastei toda minha vida com coisas inúteis, achando que assim estava pensando na sociedade, sem a sociedade pensar verdadeiramente em mim.

- A nossa vida é apenas o reflexo do sentimento que temos por nós mesmos, como você teve pouco ou nenhum, sua vida deve que não foi muito boa. Você tem duas escolhas mudar de vida de agora para frente e ficar se lamentado pelo passado ou pule deste precipício e acabe com sua dor e quando retornar para o mundo dos vivos pense mais em você. – a mulher disse com uma voz baixa e calma dessa vez.

O garoto ouviu calado as palavras da mulher e logo depois correu em direção ao precipício, antes de se jogar, ele olhou para traz e não enxergou Narcisa. Então, ele se jogou do alto do penhasco em direção do mar.

Durante o percurso da queda ele viu o vulto da mulher e perguntou:

- Você decidiu se matar, também?

- Não, eu sou apenas fruto da sua imaginação, eu nunca existi e tudo foi obra de sua cabeça com inconformismo social. – disse a linda mulher desaparecendo de acordo que o mar se aproximava.

Nunca mais o garoto foi visto. Ele foi esquecido em seu leito de morte quanto foi em sua vida.

W Carlini
Enviado por W Carlini em 27/02/2014
Código do texto: T4708118
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