[Eu - o verso de um só: O horizonte em fuga]
[Fico contente por que eu não presto
para ninguém, e não presto para nada;
quem me cultiva, logo se envenena:
eu sou o irresponsável dos meus sentidos!]
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Há um borrão no [meu] horizonte
que suga as cores das tintas do dia...
Talvez por que o horizonte seja
o entulho de todos os sonhos bons e maus;
talvez por que o horizonte não existe
para ser alcançado por ninguém;
talvez por que o horizonte é o lugar
onde o esquivo arco-íris bebe água;
talvez por que o horizonte fica
longe o bastante para desandar todas
as esperanças dos ingênuos;
talvez por que o horizonte intangível
seja cura infalível para quem vive a procurar razões...
Talvez por isso, ou por coisa nenhuma
que não o mau vezo da Natureza de iludir a gente,
haja aquele difuso borrão no [meu] horizonte...
E talvez por isto, isto é, por causa
deste borrão no meu horizonte,
nesta hora lenta da tarde morrente,
eu sinto essa vontade atávica
de sentar em frente daquela
casinha de pau-a-pique que foi minha um dia,
beber uma pinga, cuspir de lado,
escutar o rego d'água chamar a noite,
e chorar com a fumaça da lenha verde...
Chorar sem engano de motivo;
sem causa, que para chorar,
eu nem mais careço de causa,
eu só olho o horizonte em fuga...
[Desde Minas, eu venho vindo,
sem parar, sem parar, sem chegar,
pois eu sou é sem onde mesmo!]
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[Desterro, 15 de fevereiro de 2014]