Pro diabo essa coisa de felicidade!

Mania desgraçada, que só faz desgraçar ainda mais os homens, já tão desgraçados, tornando-os escravos, do nada, do incerto, da mentira, transfigurada de felicidade. Suga toda força e empenho que temos de ter na vida, para sermos bons, justos, dignos, para que seja gasta com fantasias, caprichos, e outros cantos de sereias que enfeitiçam os homens, entregado-os a própria sorte. Melhor, a sabida desgraça.

Já não mais esperamos em Deus, esperamos no salário, que irá permitir a compra daquele carro, daquela casa. Esperamos na esposa, que dará aquela noite, aqueles bons anos de casamento. Esperamos em tudo. Em tudo que nos possa fazer feliz.

Onde não se pode encontrar a menor quantia de felicidade que seja, não nos serve, não presta, deixamos de lado.

Já não mais adoramos a Deus, adoramos ser felizes.

Nada contra a felicidade, minha briga é com essa mania de querer se ser feliz sempre. Ora, e se não formos, que mal há nisso?

Namora-se, pelo tempo máximo em que ambos conseguem se fazerem felizes, numa matemática doentia, não se computam as alegras e se debitam as infelicidades. De antemão avisamos: ‘quero alguém que me faça feliz’. Já não interessa nem que nos ame, se nos faz bem, então está ótimo. Na turbulência, na infelicidade, onde o amor resiste e se sobrepõe a pobreza, a qualquer desgraça, finda o relacionamento.

Esperamos os feijões antes que os pés criem raízes. Tudo pois nos é necessário que a todo instante sejamos felizes. Não se pode esperar um dia que seja. Os chavões clarificam bem. Já não temos aquela entrega de amarmos além das consequências, não nos importando com retornos, arranjos. Se pudéssemos amaríamos de fronte ao espelho, com a certeza de estarmos na face da pessoa amada. O único amor que se concebe, ou concede, é o ‘amor-próprio’. Que deveria se chamar ‘amor-inútil’.

Pro o diabo essa coisa de felicidade. Que importemo-nos primeiro em merecê-la, esperando sem pressa. Nessa vida ou na outra. De preferência na outra, pois qualquer felicidade que possamos ter nessa, será incompleta. Não se vem ao mundo para ser feliz. E quando se é, não se deve acostumar, achar que é regra. Mimar-se. A justiça primeiro, junto com a dignidade. As bondades sempre. E nas sobejas do tempo, cultivemos essa maldita árvore infrutífera. O caminho que iniciamos nessa vida só termina na outra, os atalhos são, invariavelmente, inúteis. O céu não é feito para presentear almas felizes, e, sim, para ser a felicidade das almas que, cá na terra, se fizeram justas e dignas de merecê-la.

Nosso tempo irá acabar e ainda assim não conseguiremos cumprir todas as obrigações, quanto menos o perdermos com o que é secundário, melhor.

Não ser feliz não é tão ruim quanto não merecer a felicidade.

E pro diabo quem faz da vida meio para ser feliz.

Pro diabo essa coisa felicidade, com todos seus mimos e agrados tão insignificantes. De nada vale sujar a roupa da festa na padaria. Sem queixas de sofrimentos! Hão de sofrer todas as almas que arduamente buscarem a justiça, sendo-as justamente recompensadas.

Não existem muitos méritos em buscar a felicidade, a julgar pela quantidade de pessoas que se dizem felizes, viver para ser feliz seria coisa boba, se não fosse profundamente imbecil.

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 13/02/2014
Reeditado em 12/06/2014
Código do texto: T4689807
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