Fábrica de lembrança

Hoje minha mãe completa 86 anos. Não a vejo desde 2010. São tantas as ausências. Tantas presença partidas em cacos que talvez, assim, minha insônia se explique a mim.

Hoje meus dias são todos tortos. A Fantástica Fábrica de doces que meu pai me fazia crer existir em minha cabeça quando eu tinha 3 ou 4 anos, não para mais de funcionar... A doçura, que já não existe, me rouba toda a madrugada.

Às vezes sou tomada pela saudade do que fui e do que ainda quero ser, ao menos minimamente. Gostaria de acompanhar cada dente novo de minha neta, mas a distância, essa pantera de olhos acesos, tira de mim o privilégio de re-experimentar o crescer das crias.

Hoje sonhei que paria gêmeos, um menino e uma menina. No breve cochilo de meia hora, senti as dores do parto e, como os gatos, comi a placenta depois. O filho roubado na maternidade e o útero vazio e cheio de dor parecia o mundo sem saída. E lá estava eu, partida ao meio.

Hoje, após três noites sem quase fechar os olhos, tenho a sensação de desesperança. Mesmo assim, vida longa aos que envelhecem ao meu lado sem que eu possa parar o tempo ou voltar e deixar que meu pai continue a arrancar doces pelo meu ouvido de criança nas tardes frias da minha infância paulistana. Nos dias em que eu, ingênua, aguardava ansiosa pela produção mágica vinda de dentro de mim.

10-02-1014

Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 11/02/2014
Código do texto: T4686684
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