Retrato na Parede

RETRATO NA PAREDE

(Dedicado à minha filha Beth)

Era um retrato velho que eu achei abandonado num canto qualquer da casa, estava manchado e com as suas guarnições descoloridas pelo tempo, mas o retrato permanecia intacto.

Passei a limpá-lo com todo carinho e cuidado, pendurando-o no único lugar que me parecia mais adequado. Em princípio, não dei a ele muita atenção, mas aos poucos fui acostumando a admirá-lo. Era um retrato bonito, ousado e desafiador tendo causado em mim, uma sensação estranha e hipnotizante.

Dentro do meu apartamento, por aonde caminho ou onde estou, lá está aquele olhar meigo e penetrante tentando quem sabe, contar-me algum segredo oculto em suas entranhas.

Hoje, já acostumado com sua companhia, passo a admirá-lo carinhosamente, naqueles momentos em que perambulo pelo corredor do meu apartamento. Por quê? Ora, ele está bem ali pendurado na parede por onde passo, bem em cima do pote d’água, a um palmo do meu nariz. É aí que permaneço por algum tempo a contemplá-lo, enquanto bebo minha água. Lá está ele a me desafiar. É um retrato cativante e misterioso. Algumas vezes ele se me revela uma espécie de tristeza oculta, e, em outras ocasiões vejo-o transbordando de felicidade. É como se fosse alguma coisa insondável escondido por trás daquele sorriso místico e desafiador.

Na verdade, esse retrato me fascina, talvez por notar nele algo abstrato e inimaginável, cujo mistério deva ultrapassar os limites das minhas faculdades psicossomáticas.

Contudo, ele é a minha única companhia, tanto na solidão dos meus aposentos, como na alegria e na dor.

Quantas vezes ensaio monologar algumas palavras, na esperança vã que de repente ele possa me ouvir. Seria por acaso hipnotismo ou saudosismo? Não sei! Descrevê-lo é muito difícil. Mas ele está ali, sorrindo e talvez quem sabe, transmitindo alguma palavra oculta abafada no seu peito, num desafio misterioso.

É cativante e místico, faz-se lembrar o retrato da encantadora Mona Lisa. É como se estivesse ensaiando um sorriso, sem querer sorrir. É o desabrochar interminável de uma rosa, num constante desafio à natureza.

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Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 29/04/2007
Reeditado em 23/05/2007
Código do texto: T468224