http://youtu.be/mw7i4KMEQuY - ouçam Nana Mouskouri e Mireille Mathieu
 
                                     Na terra prometida
 
 
                                                         “ Mercúrio levou Caronte até um local onde poderia ver o mundo inteiro ao mesmo tempo e perguntou o que ele estava vendo. Então ele disse que estava vendo uma imensa multidão, homens feito formigas, podia ver as cidades como colmeias, onde cada abelha tinha um ferrão, e tudo que faziam era ferroar umas às outras, umas tiranizando, feito maribondos maiores que o resto; outras feito vespas ladras; outras feito zangões”.  (citação de Robert Burton em Anatomia da Melancolia)
 



 
                               Todos nós acabamos por almejar uma espécie de terra prometida.
                               Quando este lar tão querido, que queremos encontrar a todo custo, não aparece concretamente, inventamos um, criamos o nosso céu, um maná que nos sustente e nos ampare até o fim de nossos dias.
                               Assim, é que vemos Manuel Bandeira criar a sua Pasárgada: lá a existência é uma aventura; é outra civilização. É isto que estou querendo dizer, meus queridíssimos amigos, estamos sempre inventando um outro mundo, mesmo que de alguma forma seja parecido, mas não igual, com este que conhecemos.
                               O do Bandeira, desconfio, ficou bem parecido com esse mundinho tão manjado nosso. Querem ver? Lá, em Pasárgada, ele é amigo do Rei, faz ginástica, anda de bicicleta e tem a mulher que ele quer , na cama escolhida por ele.                               No fim, confessa: vai pra Pasárgada para ser feliz.
                               O baiano Dorival Caymmi também inventou a sua terra mágica. Maracangalha. Estava resolvido a ir pra Maracangalha, mesmo que a Anália não quisesse ir. E parece que ele foi só, sem a Anália, mas foi, e sem esquecer seu chapéu de palha.
                               Essa ânsia incontida vem de tempos imemoriais, vamos encontrar Platão com o seu paraíso perdido, a famosa Atlântida. Entre os clássicos esse ímpeto foi constante.
                               Francis Bacon, um dos meus autores prediletos, gostava de citar essa frase, que me arrepia: A verdadeira grandeza é ter em si a fragilidade de um homem e a segurança de um Deus.
                              Não querendo me desviar do assunto, caro leitor, devo dizer que conheci alguns homens com essa segurança de um Deus: desgraçadamente, todos psicopatas. Parece que ainda não fomos feitos para essas alturas. Voltemos ao Bacon, ele também criou uma obra utópica: A nova Atlântida, onde funcionava a Casa de Salomão, uma casa para cientistas, que deveria produzir grandes e maravilhosas obras em benefício da humanidade.
                               Mais modestamente, outros homens não conseguiram inventar essas terras maravilhosas e com isso se contentaram em retornar às suas cidades natais.
                               O grande historiador Plutarco abandonou a agitação de Roma, uma São Paulo dos nossos tempos, para acabar seus dias em sua terra natal, Queroneia.
                               A maioria não retorna às suas terras de origem, atracam em outros portos, mas tenho certeza que suspiram pelas terras onde nasceram.
                               Os poetas costumam navegar nesses mares tempestuosos da vida com extrema coragem e não se importam em chegar a nenhum porto. Como alquimistas, sabem que não se perdem, transcendem para outras dimensões.
                               Para mim, simples mortal, foi um milagre ter conseguido atravessar o grande oceano da vida, como Hércules, em um caneco de barro, sem a menor segurança. Mas a ideia fixa de um porto seguro nunca me abandonou.
                             Firmemente, ancorado na minha espiritual Queroneia , assisto agora os mais jovens que se lançam no velho oceano , em busca de suas aventuras , mantendo a roda da vida em movimento, enquanto quase desapareço no meio da plateia.
 
 
 
Republicação de texto de 2011, com alterações, pouco lido.