[A serena alma das coisas ao luar: Proust e eu]

Apelo para a memória que tenho das coisas vividas, experimentadas: para que mais sirvo, se estou morrendo?

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Naqueles tempos da minha infância.... sempre, quando eu caminhava ao luar numa trilha do cerrado, eu me encantava com o brilho refletido pelas partículas de mica no leito do trieeiro. Nos lados da trilha, os galhos secos das árvores, cobertos da pátina da lua, pareciam figuras grotescas, prestes a criar vida novamente. No topo dos cupinzeiros, as borradas brancas dos pássaros resplandeciam... Os mourões da cerca, descascados, eram brancas pernas magras, a correr para o alto da colina... Mais abaixo, junto ao brejo, um derrame da prata da lua na folhagem verde-cinza-claro da copa da imbaúba... mistérios do mudo e imperturbável diálogo da lua branca com as coisas imóveis, silentes...O único ser semovente nessa paisagem eivada de silêncios: eu!

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Hoje, acabo de descobrir que partilho com o resto mundo, a mesma observação encantada com a serena alma das coisas ao luar... tal como vi em Proust:

"Abri silenciosamente a janela e sentei-me na cama: não fazia quase nenhum movimento a fim de que não me ouvissem lá de baixo. Fora, as coisas também pareciam imobilizadas em muda atenção para não perturbarem o luar, que duplicava e recuava os objetos ao estender-lhes à frente a respectiva sombra, mais densa, mais concreta que eles mesmos, e assim adelgaçava e ao mesmo tempo ampliava a paisagem, como um mapa desdobrado que se desenrolasse".

Proust - "No caminho de Swan"

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Sempre desconfiei das coisas silentes na noite, sempre. Quando não estou presente, o que acontece...? Pensar num jardim solitário ao luar, sem a minha presença, transtorna-me: passo de cientista a místico, num instante — as rosas me acenam, até me beijam, os arbustos me falam em sussurros, a grama amacia-se aos meus pés. Além disso, eu noto que as águas, não sei por que, preferem chorar à noite.... Por que, de dia, ao sol quente, as águas não choram, por quê? Ah, quase sou um poeta, quase!

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[Desterro, 14 de janeiro de 2014 - às 14:26]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 14/01/2014
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