CASARIO DE MADEIRA

          Quando te miro, preso à parede cor de palha, do meu apartamento moderninho, algo se tranca dentro de mim e é como se um soluço tristonho teimasse em eclodir, mas que consigo suster no peito apertado!
          Há como que uma lacuna deixada, por um longe indefinido, quando o progresso exagerado não houvera ainda quebrado características imorredouras, dentro do tempo.
          A sacada da janela alta, do sobrado com paredes brocadas pelas superposições das tintas velhas e instáveis, desperta-me a admiração pelo antigo.
          O imaginado sombrio do lá dentro, do interior, lembra o aconchego familiar, quando a voz paterna era ouvida respeitosamente; quando os cuidados maternos eram calados no íntimo da prole; quando a convivência fazia-se mais estreita, pelo labor diário de todos, que se esmeravam pela aprendizagem das prendas domésticas, na preparação de cada filha, para o mister maior que cabia à mulher : ser esposa, companheira, mãe, "sinhá".  Tudo me revolve os escaninhos da alma, deixando-me à mercê das emoções!
          Dentro de mim, uma saudade incompreendida pelo que hoje sou, como sou, como penso!
          Tenho que admitir essa saudade da visão doméstica antiga; do descanso na rede enorme, alva, franjada que se curvava ao peso do "senhor"  austero, de bigodes cheios e
longos, de pele queimada pelo sol intenso, recebido no meio de uma plantação rica e bem trabalhada!
           Cada detalhe teu, casario de madeira, desde o mobiliário pesado, limpo e brilhante à cada peça da decoração senhoril; ao chão de tijolos batidos, de barro avermelhado ou, talvez, de cerâmica decorada, vinda do longínquo estrangeiro, formando desenhos arabescados; às paredes altas e grossas, onde nichos encravados guardavam, na sua intimidade, santos barrocos protegidos e venerados, numa mostra de fé irracional, mas respeitável... Tudo me deixa sensível a uma época já enterrada, todavia ressuscitada, quando te admiro!
           Deitando o olhar na jardineira do peitoril da janela da saleta, no andar superior, surge-me a imagem das verbenas coloridas e inodoras que se debruçavam apinhadas, cada uma querendo ser destaque! Dir-se-ia que estavam sempre empurrando umas às outras, a fim de angariarem espaços para o exibir-se ao sol e aos olhos dos que lhes buscavam.
          O telhado colonial antigo, esverdeado de musgos aqui e acolá, nas beiradas destacadas...
          A cortina branca, de renda feita artesanalmente, denotando a habilidade com os bilros, que dançaram graciosos e ágeis nas mãos delicadas e tecedouras da mulher -
doméstica do antanho -...
         Os perfumados chás das tardes, acompanhados de finos bolos, broas ou biscoitos saborosos, ainda quentinhos, como uma obrigação dos fins de dias...
        As vestes leves ou pesadas, modelando os corpos femininos, sem deixarem à mostra, para a cobiça luxuriosa, a pele tão guardada! Tudo cheira a domínio!
        Não consigo atinar o porquê, porém tudo desperta-me um estado melancólico, saudoso; um vazio, uma sensação de perda e a certeza do irrecuperável!
        Perco-me no tempo, olhando-te, casario de madeira!
        De repente, o acordar!
        Nada ao meu redor tem indícios do pretérito, a não ser essa pequena talha de madeira, trazida das terras baianas, imprensada entre as duas portas dos quartos dispostos lado a lado, da minha moradia atual!
       Volto à realidade e tu passas a ser apenas um quadro decorativo entre outros, que enfeitam as paredes claras e bem cuidadas do meu apê.
       Meus olhos então, passeiam pelas outras coisas, que nada têm em comum com o distante, porque o hoje é hoje e do hoje!
        Retorno à jornada do dia! 


         
VanePedrosa
Enviado por VanePedrosa em 05/01/2014
Reeditado em 07/01/2014
Código do texto: T4637906
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