Prosa_poética_n_1: Sobre o Arrependimento
O arrependimento tem duas faces:
é uma sensação da qual se quer livrar;
é um ato que suscita o libertar.
Arrependimento é a angustiante impossibilidade de anulação de algo consumado.
É o experimento natimorto de refazer o que já foi esfacelado;
É a culpa magoada da palavra que não deveria ter sido proferida ou do ato que não deveria ter sido perpetrado.
É a frustrante incapacidade de alterar a história.
É a teimosia impotente de esquecer um infortúnio que, tal e qual um prego torto e enferrujado fincado num pedaço de madeira, resiste em ficar registrado na memória.
Arrependimento é a ilusão doída e insensata de evitar uma causa já perdida.
É a necessidade de dar coerência à desrazão.
É a excruciante busca de corrigir o que se fez incorreto.
É o vigor débil de controlar o futuro incerto;
Arrependimento é a ferida aberta de uma disputa que já não se pode mais travar.
É a franqueza do afoito que faz envergonhar.
É a traição de nós mesmos, cuja intensidade dolorida lateja sem cessar.
É uma marca profunda e ressentida que somente a poeira do tempo irá apagar.
É o esforço de engolir o gosto amargo do alimento putrefato que o corpo quer regurgitar.
É o luto encabulado de um precioso momento que se desperdiçou.
É a excomunhão da felicidade da vida que se quer brindar.
É a mensagem de um poema cuja escrita se arruinou.
Arrependimento é também um meio de curar.
Uma oportunidade de se humanizar.
Uma possibilidade de, com o mundo, se reconciliar.
Uma chance de se redimir,
antes da terra nos consumir.