Respiro

Procuro manter os sentidos. É tudo que posso nesse estado de torpor que me toma por inteiro. A coluna cervical está intacta, mas não me é permitido mover sequer os olhos. É uma letargia aguda que se apoderou do meu corpo, começou pelos dedos, foi subindo pelas pernas e braços, envolveu o tronco, exauriu o ar dos pulmões e espreme querendo esmagar o coração. Os poros se fecharam, e a saliva secou dentro da boca. Talvez a iminência da morte conduza a um estado similar, mas sei que não é isso o que me aflige neste momento. O fim não está próximo. O antídoto para o veneno não está disponível. A vacina para a doença ainda não foi descoberta. Sei que ainda viverei muitos outros longos dias como esse, remoendo a inutilidade de uma existência tola, servil, ao léu. Estarei repetindo os mesmos atos, pisando sobre as próprias pegadas, involuntariamente, mecanicamente, sem um único lampejo de consciência. A verdade é que me foi negada a luz do dia. Jamais consegui romper as entranhas maternas e vir ao mundo. O cordão umbilical envolveu-me pelo pescoço e sufocou o meu grito. Espernear, chorar, contorcer-se, tudo foi em vão. E para que ele não me estrangulasse, eu me encolhi. Para que um movimento mais brusco não me ferisse, eu me mantive inerte. E nesse estado latente permaneço. A mordaça na boca, as correntes nos pulsos, garganta e tornozelos. Nada pude contra a força externa que sempre me oprimiu. E sei que minha resistência fá-la-ia ainda mais severa. Não sendo contra ela, permaneço incólume. A imobilidade me mantém vivo. Respiro. E só.