O CORPO SENTE

Perdão se causo algum incômodo no secreto dos teus guardados, em confessionário. Bem, porém tenho senso para não aparecer em público, e nem te expor aos infelizes no amar, e por certo invejosos delatores de quem vive o instinto. Não há como resgatar o que se deixou escapar pela boca ou pela erotizada epiderme, nem remediar o dito ou havido. Somente aproveitar a palavra para tatuar a pele na intenção de saudar e louvar o bonito das intimidades entre bichinhos: o macho e a fêmea desejosos. O que fazer se já inscrevi a tua imagem nos neurônios? E a mergulhei em mim: uma sombra incestuosa. É algo bom esse estar-se dentro sem o toque que pode comprometer tudo e aumentar a possessão egocêntrica. Enfim, parece-me certo acreditar: o que define o prazer é a cuca e não o genital. Que o gozo venha – doido – a partir das artérias, porque entrego, mesmo à distância, o melhor de meu desejo, olhando de soslaio – esguia silhueta estatelada no monitor desta máquina. E que se comove, contristada – como se viva fosse – ao me espreitar por este olho cego. Compungida, num imenso dó pelo irreparável: ter-se feito amante de minhas intimidades. A maledicência é um cochicho de impossível retorno...

– Do livro O AMAR É FÓSFORO, 2013/14.

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