Guilherme o filho do boto

Lá pras bandas do Tarumã na festa da padroeira... Pois é.

Nasceu Guilherme.

Menino franzino que apesar do afeto de sua mãe, avó avô, não era de todo feliz.

Com dez anos frequentava a escolinha da vila. Muito mal sabia ler.

Em sua inocência, muitas vezes perguntava pelo pai boto, como era ele, por que o havia abandonado.

Socorrinho não queria falar no assunto.

_Pare co isso Guilherme... Seu pai sumiu nas água do rio.

Guilherme pensativo ficava horas na beira do rio, talvez sentado na mesma pedra que anos antes sua mãe o havia concebido. Ia juntando pedrinhas, que jogava uma a uma, pra dentro do grande rio.

Nos anéis d’água que se formavam imaginava seu pai ali.

Ficava horas matutando como seria lá embaixo .

Na escola, onde passava quase a tarde toda, com a mente longe dos livros, buscava em seu pensamento a figura bonita de sua mãe Socorrinho.

_Vai vê o Boto se encanto qua beleza da mãe.

Eu quero sê iguar a mãe.Bunita... cabelo cumprido, lizinho que só.

Foi então que Guilherme se deu conta de que era diferente.

Quando a bisa fazia-lhe uma roupa nova, todos elogiam.

_Aí Guilherme se ta lindo côa ropa nova.

Mas ele gostava mesmo era de por um dos vestidos da mãe.

Socorrinho ria.

_Se vai sujá meu vistido, fio.

Um dia, no pátio da escola seu primo Juá, cercou-lhe.

_Guilherme, par de andá rebolando,todo mundo tá reparando sô.

Se ocê cuntinua desse jeito iguar florzinha, parecendo um mariquinha vão mangá docê.

Foi como que um balde de água fria lhe havia sido despejado.

_Eu?? Eu ando assim sô, desde pequinininho.

Saiu correndo de perto de Juarez, na fila, para entrar na sala de aula, notou,

Carlinhos e Jonas aos risinhos cochichando.

Com os ouvidos aguçados, pode ouvir.

_Mariquinha...Rs Rs.

Guilherme bem sabia o que era “Mariquinha”

Conhecera um, no ano passado, quando a vila recebia visitantes.

Era um tanto espalhafatoso,

andava com as meninas que vieram com ele, ria á toa e gesticulava muito.

Todos da vila comentavam.

_Oceis viram o tarzinho?

Muiézinha perfeita, sai de banda bicho feio.

Sera que eu so iguar ele?

Mal conseguiu ficar na escola aquele dia.

Quando ouviu a sineta tocar, correu com todas as suas forças para o colo de sua mãe.

_Que é isso fio, parece que viu um fantasma!

_Mãe, se acha que eu sô Mariquinha?

_Craro que não, mai se fosse eu avèra de te amá do mermo jeito.

_Mãe se acha que sô né?

_Mai quem é que tá ponhando essas ideia na sua cabeça, sô.

Guilherme olhou atentamente a mãe.

De repente fugiu de seu colo e correu, correu como se estivesse voando.

Sentiu o vento da tarde bater com força em seu rosto afogueado.

Quando se deu conta estava na beira do rio a conversar com seu “pai”.

_Pai, apareça pra mim.

To tão desarvorado! Triste.

Ocê nunca veio me vê. Mas eu amo ocê pai.

Ocê que tumém é tão diferente havia de dá um jeito pra eu dexá de sê frorzinha.

Ôh pai, cadê ocê pai.

Grossas lágrimas desciam pela sua face.

De repente o menino virou-se e avistou sua mãe correndo em sua direção.

_Mãe, mainha... perdoa eu mãe. Vô co meu pai.

Aprumou o corpinho frágil e correu para a água.

Em vão Socorrinho tentou alcançar o filho.

Nadou até a exaustão rio adentro.

Guilherme...Gui....

Sem forças, foi tirada das águas, ouvindo ao longe a voz do seu menino.

_Perdôa mainha... Perdôa....Vô co meu pai.