Falando sozinha
Sento pasmada e olho atônita a parede branca na minha frente, o som da vida diminui e a ouço acontecer lá fora, embaixo da minha janela, às vezes, a morte vem se esgueirar pelo umbral da porta. Não dou confiança para ela e digo que é melhor ficar sozinha. Sozinha. Todo dia ela vem e todo dia eu digo a mesma coisa, irritante. Ela vem pela sombra, batendo as portinholas da janela, se esticando pelas frestas do basculante, por debaixo da porta, tentando arrastar-me para o fundo do chão. Chuto com força e ela se espatifa na parede. Escorre e morre, a morte morre.
Olho a parede, sem fazer movimento algum, fiquei aqui minutos e parece que passaram anos, passaram dias e eu não fechei os olhos, não dormi. Não morri? Alguém toca a campainha, alguém bate na porta, alguém chama, o interfone toca, o telefone toca, a buzina, assobio, estalos na parede, no teto. Eu não pisco, não levanto, nem atendo a porta, imóvel, diante do outro eu morro.
Silêncio. Solidão. Mais silêncio. Mais solidão. Dormência nas pernas. Demência no crânio. Destoa o peito. Distância do sonho. O corpo vai se esvaindo, minhas paredes interiores empalidecem, desbotam e de repente sangram. Cômodos sem portas, andares sem escadas, sem móveis, sem nada. Ninguém escuta, ninguém atende, ninguém responde, ninguém mora aqui. Ninguém. Ninguém. Tudo vai anoitecendo, noite escura, sem lua, sem luz, sem muro, sem tudo.
O despertador toca. A vida, lúcida me acorda. Acorda.