Mais um capítulo do Little Brother Caracas
14 de dezembro de 2013
Uma noite sem dormir, de avião em avião... Chegada com grande atraso em Caracas. Duas horas do aeroporto para o hotel, num trânsito intransitável. Primeiras imagens da cidade sem comentários. No hotel, quatro horas de espera para o check-in, internet uma "M", tomadas elétricas não encaixam nos adaptadores que eu trouxe. Espero que o domingo (15.12.2013) seja diferente... Ufff!!
Um pouco antes, ainda no avião. De São Paulo para Caracas, lanche de graça. Também pudera, pelo preço da passagem e pelo desconforto da aeronave, não poderia ser diferente. Não tem música, vídeo, nada para distrair o passageiro. Cadeiras apertadas demais. Equipe de bordo, se esforçando para não transparecer um mal estar deles, talvez pela iminência de uma greve geral dos aeroviários, descontentes com as condições de trabalho e salário. Deu pra ouvir: “Mais cuidado, Marta, tome mais cuidado, não empurra a bandeja assim” (em tom desagradável); “Não vou permitir, senhora, que se sente na poltrona próxima à saída de emergência, pois o preço é mais caro e a senhora pagou por uma poltrona comum”; “Agora não dá, né amigo? Agora não vou poder trazer o formulário de imigração...” (cara, de sarcasmo, asco, ironia, desprezo e mais um pouco); “Senhor, somente no pouso lhe entregarei o formulário, agora não dá tempo”. E eu saí sem a droga do formulário, tive que pegar no aeroporto. Preenchido, outra fila para a polícia federal e voltei para preencher mais outro formulário, eram dois e eu não sabia...
O atraso na polícia federal com idas e vidas para preencher formulários me poupou de ficar na fila da esteira vendo malas rodando, rodando, rodando. Quando eu cheguei a minha estava solitária circulando. Peguei e, outra fila, para passar pelo Raio-X.
Agora é mostrar passaporte e pegar o ‘visto’ de entrada:
- Que viene hacer en Venezuela?
- Vengo como turista.
- Donde vay quedarte?
- En Caracas.
- Vays hacer o que como turista?
- Sacar fotos, conocer la ciudad, la gente, las playas...
- Vay sacar fotos de que?
- De las calles, las habitaciones, plazas, playa... (não fiz cara de desgosto, só fiz cara de paisagem, fingindo não entender as entrelinhas).
Finalmente no aeroporto. Agora é ir ao sanitário. Sem papel higiênico, algumas sujeiras pelo chão. Os funcionários sentados sobre a pia... Só fiz xixi. Preferi não me apertar por papel, ou por falta de papel.
Alguns elevadores e algumas escadas rolantes não funcionam. Não tem serviço de internet wi-fi.
Circulando, circulando, encontrei casa de câmbio. Troquei quarenta e quatro dólares por duzentos e sessenta bolívares. Um cambista autônomo me procurou oferecendo muitas vantagens na troca monetária. Consegui me desvencilhar dele, pois já conhecia a fama dos venezuelanos em ludibriar turistas lhes entregando moedas falsas e, depois, chamando a polícia para prender os desavisados.
Procurei uma empresa de táxi. Preço: do aeroporto de Caracas para o hotel Cumberland, nas cercanias do centro da cidade, uns quarenta quilômetro em trânsito infernal, trezentos e sessenta bolívares, cerca de sessenta dólares ou cento e vinte reais. Nada mal, preço compatível com uma corrida do Centro até o aeroporto de Salvador. Não recebem cartão de crédito. Paga-se diretamente ao motorista. Paguei com uma cédula de 100 Euros e recebi uns trezentos bolívares. Não sei se o câmbio foi justo, enfim, cheguei com segurança ao hotel. Antes, vi as favelas que cercam a cidade. Todas começam a ser construídas no topo dos morros, ao contrário do Brasil. A diferença é que são pintadas de várias cores. Ao menos dá um aspecto mais plástico ao amontoado de blocos e cimentos.
A taxista me orientou a não ficar em Caracas. Não tem nada a ser visto, segundo ela, que é nascida e criada na capital. Me disse que deveria ir às ilhas Margarita e Los Roques. Em Caracas, somente o teleférico vale a pena. Disse para não sair pelas ruas, não circular nem mesmo perto do hotel, pois os riscos de assalto são grandes. Disse também para não mostrar dinheiro em público (não entendi e acho que nenhum louco, em nenhum lugar do mundo, faz isso, pelo menos não fica se abanando com cédulas).
Voltando à minha chegada ao hotel. Não tinha toalhas no quarto. A água quente não esquenta direito. O ralo não tem tampa, por isso tomei banho de banheira com o pé enfiado no buraco do ralo. A lâmpada sobre a pia não acende. Não tem frigobar. Água gelada fica num bule com gelo dentro, mas devia ser do dia anterior, pois estava quente. Somente no final da tarde a “Ama das Chaves” bateu à porta com água gelada perguntando se eu queria, respondi “si”, imediatamente. No dia seguinte ela voltou com as toalhas. Eu já tinha me secado com o secador de cabelo no dia anterior. Não tem cofre, melhor, o cofre não tem fechadura. O ar condicionado não condiciona nada. A TV tem 97 canais e em um deles passa a novela brasileira Senhora do Destino, dublada para o espanhol. Nem tudo está mal, no entanto. Encontrei uma moeda de um bolívar no quarto. Prenúncio de que a sorte vai sorrir pra mim. Toda vez que encontro uma moeda sinto isso. Foi assim, também, em Genebra, em 2011. Bastava entrar no ônibus com o cartão de transporte, sem precisar comprar passagem. Mas eu achei que deveria enfiar na máquina de passagens. Além de sair uma passagem, saiu uma moeda de um franco de troco.
Antes de dormir a inspiração:
O que realmente importa quando:
você não tem familiares por perto;
ninguém fala tua língua;
não há conexão razoável de internet;
as tomadas elétricas não encaixam;
teus celulares não têm sinal;
você não conhece as ruas da cidade;
ninguém está a tua espera no aeroporto;
tua moeda não compra nada;
pra todo lado rostos desconhecidos;
e você com todo o tempo livre e nada pra fazer.
Inspiração te foge
O tempo se arrasta no relógio
Na mente cai neve
Uma criança dança
Na rima pobre
Em frente ao espelho
Não importa se chove
Ou se faz sol
Se qualquer língua
É uma prisão.
E, depois de ler Carta a um jovem poeta, de Rilke, a inspiração desinspira: “Tudo já foi escrito, agora toda genialidade é copiar e colar”. O que resta é comer, dormir e aproveitar a finitude e transitoriedade da vida.
À noite, a fome bateu. Eu vi, da janela do apartamento, uma pizzaria. Pensei, pensei e fui me arriscar. Tomei duas cervejas estupidamente geladas, Ice Polar. Esperei pela pizza assistindo shows de cantores venezuelanos na televisão, provavelmente de uma coleção de DVD. Nada mal. Quando chegou à minha mesa tomei um susto com a pizza. Aparência horrível. Na verdade era um pão muito mal feito, com queijo, presunto e milho jogado por cima. O gosto, ah... indescritível. Eu não tenho o paladar muito apurado. Afinal, passei grande parte de minha vida comendo refugos. Mas me acostumei, de uns tempos pra cá, a me alimentar de comida dentro do prazo de validade e com a aparência minimamente agradável. Tentei engolir a pizza aos pedaços, sem mastigar, para não sentir muito o sabor. Mesmo depois de encher a cara de cerveja, não deu. Para não passar vergonha nem deixar sem pagar, pedi que embalasse e levei o estrupício para o hotel. Quem sabe não a devoro numa madrugada dessas...
14 de dezembro de 2013
Uma noite sem dormir, de avião em avião... Chegada com grande atraso em Caracas. Duas horas do aeroporto para o hotel, num trânsito intransitável. Primeiras imagens da cidade sem comentários. No hotel, quatro horas de espera para o check-in, internet uma "M", tomadas elétricas não encaixam nos adaptadores que eu trouxe. Espero que o domingo (15.12.2013) seja diferente... Ufff!!
Um pouco antes, ainda no avião. De São Paulo para Caracas, lanche de graça. Também pudera, pelo preço da passagem e pelo desconforto da aeronave, não poderia ser diferente. Não tem música, vídeo, nada para distrair o passageiro. Cadeiras apertadas demais. Equipe de bordo, se esforçando para não transparecer um mal estar deles, talvez pela iminência de uma greve geral dos aeroviários, descontentes com as condições de trabalho e salário. Deu pra ouvir: “Mais cuidado, Marta, tome mais cuidado, não empurra a bandeja assim” (em tom desagradável); “Não vou permitir, senhora, que se sente na poltrona próxima à saída de emergência, pois o preço é mais caro e a senhora pagou por uma poltrona comum”; “Agora não dá, né amigo? Agora não vou poder trazer o formulário de imigração...” (cara, de sarcasmo, asco, ironia, desprezo e mais um pouco); “Senhor, somente no pouso lhe entregarei o formulário, agora não dá tempo”. E eu saí sem a droga do formulário, tive que pegar no aeroporto. Preenchido, outra fila para a polícia federal e voltei para preencher mais outro formulário, eram dois e eu não sabia...
O atraso na polícia federal com idas e vidas para preencher formulários me poupou de ficar na fila da esteira vendo malas rodando, rodando, rodando. Quando eu cheguei a minha estava solitária circulando. Peguei e, outra fila, para passar pelo Raio-X.
Agora é mostrar passaporte e pegar o ‘visto’ de entrada:
- Que viene hacer en Venezuela?
- Vengo como turista.
- Donde vay quedarte?
- En Caracas.
- Vays hacer o que como turista?
- Sacar fotos, conocer la ciudad, la gente, las playas...
- Vay sacar fotos de que?
- De las calles, las habitaciones, plazas, playa... (não fiz cara de desgosto, só fiz cara de paisagem, fingindo não entender as entrelinhas).
Finalmente no aeroporto. Agora é ir ao sanitário. Sem papel higiênico, algumas sujeiras pelo chão. Os funcionários sentados sobre a pia... Só fiz xixi. Preferi não me apertar por papel, ou por falta de papel.
Alguns elevadores e algumas escadas rolantes não funcionam. Não tem serviço de internet wi-fi.
Circulando, circulando, encontrei casa de câmbio. Troquei quarenta e quatro dólares por duzentos e sessenta bolívares. Um cambista autônomo me procurou oferecendo muitas vantagens na troca monetária. Consegui me desvencilhar dele, pois já conhecia a fama dos venezuelanos em ludibriar turistas lhes entregando moedas falsas e, depois, chamando a polícia para prender os desavisados.
Procurei uma empresa de táxi. Preço: do aeroporto de Caracas para o hotel Cumberland, nas cercanias do centro da cidade, uns quarenta quilômetro em trânsito infernal, trezentos e sessenta bolívares, cerca de sessenta dólares ou cento e vinte reais. Nada mal, preço compatível com uma corrida do Centro até o aeroporto de Salvador. Não recebem cartão de crédito. Paga-se diretamente ao motorista. Paguei com uma cédula de 100 Euros e recebi uns trezentos bolívares. Não sei se o câmbio foi justo, enfim, cheguei com segurança ao hotel. Antes, vi as favelas que cercam a cidade. Todas começam a ser construídas no topo dos morros, ao contrário do Brasil. A diferença é que são pintadas de várias cores. Ao menos dá um aspecto mais plástico ao amontoado de blocos e cimentos.
A taxista me orientou a não ficar em Caracas. Não tem nada a ser visto, segundo ela, que é nascida e criada na capital. Me disse que deveria ir às ilhas Margarita e Los Roques. Em Caracas, somente o teleférico vale a pena. Disse para não sair pelas ruas, não circular nem mesmo perto do hotel, pois os riscos de assalto são grandes. Disse também para não mostrar dinheiro em público (não entendi e acho que nenhum louco, em nenhum lugar do mundo, faz isso, pelo menos não fica se abanando com cédulas).
Voltando à minha chegada ao hotel. Não tinha toalhas no quarto. A água quente não esquenta direito. O ralo não tem tampa, por isso tomei banho de banheira com o pé enfiado no buraco do ralo. A lâmpada sobre a pia não acende. Não tem frigobar. Água gelada fica num bule com gelo dentro, mas devia ser do dia anterior, pois estava quente. Somente no final da tarde a “Ama das Chaves” bateu à porta com água gelada perguntando se eu queria, respondi “si”, imediatamente. No dia seguinte ela voltou com as toalhas. Eu já tinha me secado com o secador de cabelo no dia anterior. Não tem cofre, melhor, o cofre não tem fechadura. O ar condicionado não condiciona nada. A TV tem 97 canais e em um deles passa a novela brasileira Senhora do Destino, dublada para o espanhol. Nem tudo está mal, no entanto. Encontrei uma moeda de um bolívar no quarto. Prenúncio de que a sorte vai sorrir pra mim. Toda vez que encontro uma moeda sinto isso. Foi assim, também, em Genebra, em 2011. Bastava entrar no ônibus com o cartão de transporte, sem precisar comprar passagem. Mas eu achei que deveria enfiar na máquina de passagens. Além de sair uma passagem, saiu uma moeda de um franco de troco.
Antes de dormir a inspiração:
O que realmente importa quando:
você não tem familiares por perto;
ninguém fala tua língua;
não há conexão razoável de internet;
as tomadas elétricas não encaixam;
teus celulares não têm sinal;
você não conhece as ruas da cidade;
ninguém está a tua espera no aeroporto;
tua moeda não compra nada;
pra todo lado rostos desconhecidos;
e você com todo o tempo livre e nada pra fazer.
Inspiração te foge
O tempo se arrasta no relógio
Na mente cai neve
Uma criança dança
Na rima pobre
Em frente ao espelho
Não importa se chove
Ou se faz sol
Se qualquer língua
É uma prisão.
E, depois de ler Carta a um jovem poeta, de Rilke, a inspiração desinspira: “Tudo já foi escrito, agora toda genialidade é copiar e colar”. O que resta é comer, dormir e aproveitar a finitude e transitoriedade da vida.
À noite, a fome bateu. Eu vi, da janela do apartamento, uma pizzaria. Pensei, pensei e fui me arriscar. Tomei duas cervejas estupidamente geladas, Ice Polar. Esperei pela pizza assistindo shows de cantores venezuelanos na televisão, provavelmente de uma coleção de DVD. Nada mal. Quando chegou à minha mesa tomei um susto com a pizza. Aparência horrível. Na verdade era um pão muito mal feito, com queijo, presunto e milho jogado por cima. O gosto, ah... indescritível. Eu não tenho o paladar muito apurado. Afinal, passei grande parte de minha vida comendo refugos. Mas me acostumei, de uns tempos pra cá, a me alimentar de comida dentro do prazo de validade e com a aparência minimamente agradável. Tentei engolir a pizza aos pedaços, sem mastigar, para não sentir muito o sabor. Mesmo depois de encher a cara de cerveja, não deu. Para não passar vergonha nem deixar sem pagar, pedi que embalasse e levei o estrupício para o hotel. Quem sabe não a devoro numa madrugada dessas...