Diga apenas sim
“Rasga o passado”, diz o fado. E ela ficou indecisa. Não poderia rasgar algo tão belo. E aquele verso ecoando na mente: “rasga o passado”. Ouvia isto, tão somente. O passado foi na direção da curva do tempo. Empurrava-o o vento. Mas o passado ali, não sumia. O passado gravado nos olhos. Gravado nos sentidos. Gravados nos ouvidos. Deu as costas para o passado, mas viu que ele era presente e também futuro. Viu que o passado, entre os três tempos, é o mais bonito, o mais dolorosamente duro e permanente. Duro de rasgar. Tanto o presente quanto o futuro têm por sina o passado. As mãos passaram a tentar. Os dedos ficaram quentes, mas depois gélidos, e morreram. As duas mãos são uirapurus em silêncio, no seio das matas. Esses passarinhos morreram rasgando o passado. Mas os pequeninos olhos dos uirapurus, mais tristes que nunca, estão abertos. Parados no tempo e abertos. Estão à espera do perdão por haverem rasgado o passado. Alguém, por favor, assuma o lugar da madrinha de apresentação. E, junto aos ouvidos dos dois uirapurus, sussurre: eu os perdoo. Contam os antigos que a madrinha de apresentação passa as palmas das mãos sobre os olhos dos mortos. Levemente. Lentamente. Piedosamente. Só assim eles dormem em paz. Não deixe os olhos dos uirapurus, aquelas mãos que rasgaram o passado, abertos assim, penando assim. Diga apenas uma palavra de perdão. Diga apenas sim.