[Asas ao sol]

[Poeta não sou; um narrador, talvez...]

Li algures: ... a criança a olhar e ver "o sol nas asas". Mágica expressão, pensei. Tão mágica como "o sol nas flores".

Mas, pensei, e me calei com estas palavras. E quando eu me calo com palavras, eu sofro...

Transpostas para além do limiar dos meus olhos, essas palavrinhas chegaram ao reino da minha sensibilidade memoriosa, e então, passaram a me incomodar... Rumores de lembranças, um tumulto dentro de mim... Onde... quando... Súbito, abriu-se a tela: eu vi, sim, eu também vi asas ao sol! Não uma vez apenas; mas as vi em vários instantes do meus dias grandes, tão grandes... será alguém consegue medir o tamanho do dia de um menino?! Os meus eram tão extensos, tão extensos que, às vezes, eu me cansava da festa da descoberta do mundo, e dormia sob as goiabeiras, com pés descalços enfiados num monte de terra fria... tentativa de conexão com as minhas origens? Não sei.

As asas ao sol... ou o sol nas asas...

as iridescências mágicas das asas dos beija-flores;

o voo de flecha dos gaviões rápidos;

as evoluções das andorinhas ao sol poente;

os bandos de rolinhas na tulha da máquina

de beneficiar arroz;

os pássaros assentados nos juncos do brejo, quietos;

cismando [o quê...?] na claridade frouxa do sol

de depois da chuva;

as circunvoluções fantásticas dos urubus, lá nas alturas,

sob os raios de sol que varavam as nuvens;

os urubus pousados na cumeeira do açougue, de asas abertas,

secando-se ao sol, para logo alçar voo;

os reflexos exangues do sol poente nas asas

das juritis caminhantes na estrada de tapiocanga...

Ah, impossível enumerar as tantas asas que vi ao sol... E por que não falar do brilho intenso do sol naquelas asas que o devaneio do Homem criou: as asas dos aviões que chegavam ao pequeno aeroporto da cidade.

E ainda hoje, eu saio à rua, aos parques, à beira do mar, e vejo asas ao sol. E agora, acode-me de mim, sim "acode-me" mesmo, um pensamento: no momento de partir, se o meu cérebro ainda funcionasse, eu gostaria de ver brancas asas ao sol... me levando, me carregando para a infinita amplidão escura do espaço, que eu, um físico nuclear, não alcanço compreender.

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[Desterro, 12 de dezembro de 2013]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 12/12/2013
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