Caju

Viver dentro de fruta é lento e secreto. Nunca se sabe o que existe, nunca se percebe o tempo. O sumo cobre os olhos e cega, o doce fecha o paladar, tudo é o mesmo, o igual, constanteterno. Escuro-laranja. Como quando se fecha a pálpebra contra o sol. Não existe nada além do invólucro. E, ao mesmo tempo se é e não se é e se é o invólucro carnudo, denso, que é o caju. Sou. Sou. Sou o sumo, sou o suco, a casca, o tudo, o caju, o cajueiro. Sou em maio. Sou em março os pés nus, e sou as folhas e a seiva que corre com todas as substâncias de florescer. Hoje floresço como nunca mais. Hoje é o auge da anunciação da colheita de mim. Depois, os anos serão de morte lenta, perder-se-ão frutos, folhas, galhos e, ao fim, tudo sucumbirá ao peso do destino de ser terra. E então o que eu sempre temi: serei terra e serei fragmento. Hoje disso não passa. Hoje disso não passa. Hoje disso não passa, nem amanhã. Destino de ser sempre igual, sempre o mesmo, apesar do tempo. Nada nunca me altera. E dói ser constante, eterno e aprisionado. Dissolvo-me no ritmo, no grito, em tudo que deixa vestígio, em tudo que é sutilmente leve e superficial.