BRINCANDO AO SOL

Domingo. Tarde de Verão. Anos sessenta.

Na ampla varanda, virada para a cidadela, a menina de pele morena, brinca.

Descalça, perna descoberta, num leve cicio, tagarela baixinho com o boneco Bonifácio

Ao redor, espalhado no chão de marmorite, há fragmentos de antigos brinquedos, roupinhas de variegadas cores, e folhas de papel de jornal, que lhe servem de tapete.

A luz quente do sol da tarde, patina-lhe a pele bronzeada, cor de centeio, e arranca brilhos e rebrilhos doirados, dos delicados e macios cabelos castanhos.

Seus olhos escuros, lampejam de contentamento. Balançam, dançam, sem cessar: ora se cravam no desengonçado boneco; ora se fixam, enternecidos e ridentes, nos meus.

Paira no tépido ar, doce perfume rescendente, que vem da cozinha. É a mana, que tem a massa do bolo da merenda, no forno.

Ao longe, muito ao longe, andorinhas acrobáticas riscam arabescos no céu azul - ferrete; e passarinho, todo cinza, de peito manchado de amarelo, que descansa na arvorezinha do quintal, canta, a espaços, chilreios tão harmoniosos, que dir-se-ia que são para alegrar este quadro de sublime beleza.

Recostado no largo varandim de ferro, olho inebriado, em fascínio e amor, a menina de pele morena.

Seus olhos meigos riem-se e saltam de alegria, e dos delicados lábios vermelhos, vermelhos como cerejas, soltam-se inteligíveis palavras, tão suaves, num murmúrio tão doce, que mal quebram o silêncio desta serena tarde de domingo.

Se tivesse poder, poder mágico, a visão encantadora, permaneceria para sempre, parada no tempo.

Mas a amorosa aguarela, de tons quentes, cheia de sol e poesia, não passa, infelizmente, de saudosa recordação

***

Debruçado no parapeito da janela de meu quarto, sentindo a luz reconfortante do sol de Inverno, bafejar - me o rosto, recordo o passado, que se esfuma, deixando na memória, pálidas lembranças de felizes momentos.

Esse quadro, ocorrido num passado longínquo, vive dentro de mim: vejo, nitidamente vejo, de alma enlevada: a menina, na flor da infância, na idade da inocência, brincando descuidadamente, na sacada de sua casa.

Esta luz clara que acaricia-me a face; este sol refulgente e acolhedor, é o mesmo que iluminou o quadro amoroso, o momento sublime, que vivi: de menina, na flor da idade, brincando ao sol, na sacada de sua casa.

No crepúsculo da vida, na quietude do quarto, em época natalícia, recordo, a menina que brincava ao sol, numa tarde de domingo.

Menina que esperava-me no portão de sua casa, e corria, enlaçando os frágeis bracitos, ao redor de meu pescoço.

Onde estarão, agora, os lábios rubros, que se franziam em botão, para cobrirem-me de carinhosos beijos insalivados?

E as mãos macias, cor de areia, minúsculas e aveludadas, que se colavam às minhas, para correrem casas de sua casa?

E a menina, que brincava, inundada de sol, numa tarde de domingo, na varanda de sua casa?

Decerto á casada. Cercada de filhos. Uma santa e sisuda mamã.

A tez, já não deve ser macia, como pétalas de rosas, nem, os lábios rubros como cerejas, nem, os cabelos se doiram ao receberem luminoso raio de sol.

Mas no carpo disforme - pelos anos e maternidade, - vive, dormindo e sonhando, a menina de outrora, que brincava na sacada encharcada de sol.

Ao envelhecer, rodeada de netinhos travessos, há-de, por certo, recordar com saudade, esse e outras cenas da infância feliz.

Compreenderá, então – se ler este recordo, – meu doce recordar.

Aguça, o rodar dos anos, as lembranças, e deixam-nos sensíveis ao tempo que já não é…ao passado que passou.

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 23/11/2013
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