Uma utópica fábula chamada "Humanidade"
Tem dias em que eu chego a pensar que nada, literalmente nada, vale mais a pena. Quando noventa e nove por cento das pessoas com quem se cruza na rua são apenas um reflexo de suas contas bancárias, onde seus únicos objetivos são a prosperidade. Para os fãs daquelas séries sobre zumbis, afirmo que basta que eles desliguem seus televisores e saiam porta a fora. Para os crentes no apocalipse, que abram seus olhos e olhem ao redor. Me digam com sinceridade, estamos nós tão longe de um cenário apocalíptico como julgamos estar? Muitas vezes reluto até mesmo em ir ao supermercado, com medo de encontrar as pessoas que vivem por ai. São zumbis, zumbis! Verdadeiros e puros zumbis do capitalismo. Zumbis anti-humanos, zumbis autodestrutivos, dos quais eu muito vergonhosamente admito que faço parte. É a lei da selva, da sobrevivência. Adapte-se, ou morra. E esse é o meu problema. Não sei se ando me adaptando tão bem. Eu estou morrendo pela minha humanidade, eu peco pelo meu querer algo mais real. Pessoas como eu são linchadas ao dizerem que existe um mundo não virtual. É egoísmo pensar no coletivo. Devemos pensar antes de tudo na moeda. E eu não dou a mínima pra moeda. Eu não me importo com a cor da camisa que você está usando, ou o sexo da pessoa na tua cama. Mas é errado não julgar, porque isso significa que eu não me enquadro. E o lema é queimar na fogueira essas bruxas de salém. Eu sou uma bruxa de salém. E eu não me enquadro, pelo simples fato de querer salvar-nos. Talvez eu esteja errada mesmo. Talvez seja da minha natureza a autodestruição, e eu esteja indo contra isso. Mas se é autodestruição que eles querem, eles estão fazendo certo. Porque, errada ou não, com defeito de fábrica, sou parte deles. E tem dias em que eu reluto em ir ao supermercado, porque me entristece ver os zumbis serem operados pelas máquinas. É a terceira revolução industrial! E não é evolução, meu querido Darwin, você estava errado. É teoria da regressão, da destruição em massa. E os zumbis estão lá em todos os lugares.
E tem dias que é difícil ir ao supermercado. Mas eu vou, relutante, eu vou. Porque eu quero sobreviver pra ajudar a destruição em massa. Porque eu to vendida pra tudo isso, eu fui comprada. Não é código de honra, é código de barra. E eu sinto vergonha de ir ao supermercado, ver o meu rosto, a minha origem européia, refletida nos televisores da vitrine do supermercado. Eu ando entre os zumbis, eu sorrio pra eles, pergunto e agradeço. Muito obrigada, muito obrigada. Sou zumbi desgarrado do rebanho, sou uma peça quebrada da grande máquina que funciona a dez mil por hora a caminho da implosão.
Tem dias em que eu tenho medo de ir ao supermercado, porque sei que lá fora já foi um dia tudo muito bonito. E no meio de todas as máquinas, de todos os zumbis que rodam as engrenagens, eu encontro outras semi-almas perdidas nessa confusão ritmizada. Que me tiram um sorriso, que não me contam sobre a decisão do futebol e não procuram etiquetas nas minhas roupas. E por alguns momentos, entre um sorriso e um olhar de admiração, eu tenho a esperança de que essas sejam as chamadas pessoas de verdade. Esperança de que não sejam mais um zumbi perdido, mais um número na estante empoeirada. Eles dizem poemas e falam sobre filosofias, como se não fossem meras engrenagens. Malditos, malditos! Eles me mantém na inércia, nesse maldito planeta moribundo que insiste em me manter em órbita. Malditos! Me ludibriam com seus contos de fadas. Humanidade, dizem eles, humanidade! Temos que resgatar, temos que reconstruir... Mas será que já existiu essa utopia chamada humanidade? E se existiu, seriamos nós, zumbis das engrenagens suicidas, capazes de recriá-las? Desgraçados, Desgraçados! Me fazem terminar mais um texto com a esperança de não ser tarde de mais...