Segundo Andar.

Sentado, aqui do sofá, ainda vejo você. E, em toda sua plenitude, ainda continua delicada, escorada sobre o muro, com o corpo curvado, os cotovelos apoiados e a cabeça em pé, queixo pra frente. Ainda a vejo fitando as estrelas, e teu olhar cintilando em toda a imensidão desse inebriado céu escuro, tão escuro quanto teus cabelos que, ao serem tingidos pelo brilho da lua, tornam-se tão brilhantes quanto seus olhos. Ainda vejo você, rindo, teorizando sobre o quanto somos ínfimos mediante ao tamanho do universo. O quanto nossa importância é efêmera, assim como o amor que nos cerca. Ou ainda a vejo sorrindo, perdendo-se em graças sigilosas, tão próprias só de ti, que apenas na intimidade há de se vir. E a tua voz, em sussurros, como se confessasse os mais ludibriosos segredos, para ninguém ouvir, ninguém além de mim.

Ainda me lembro, e ainda a vejo, sentado, aqui do sofá, por entre a porta aberta. O cigarro pendendo no indicador e médio e a xícara na outra mão. Dura só até eu me perder com maestria e acabar queimando os dedos, distraído, pelo tabaco ter se extinguido. O café esfria. E, de repente, você já sumiu, como se carregada pelo vento, deixasse o perfume doce que tive a insanidade de decorar, como se pairasse sob meu nariz.

É o meu descanso, a minha nostalgia. Você nunca esteve lá, não de noite, e sequer te imaginei de dia. Pergunto-me por que ainda lhe procuro em lembranças profundas se no desatino do meu siso nem sei se quero mais te ver.

De repente, Amélia, você se esgueira para dentro do meu coração, tão pulsante que chega a me fazer sentir íntegro. Então, me diz, Amélia, me diz como. Como tentar seguir em frente se sem essa dor eu não vivo?

A H
Enviado por A H em 19/11/2013
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