tamanho originalA CASA AZUL DE CRISTINA tamanho original

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A Casa Azul de Cristina era refúgio do dia!
Cheia de teias de aranha, pra capturar muriçocas...
Cristina acreditava que assim suas domesticadas “amigas”
Comeriam e esgotariam os insetos do cerrado! 

Variava! Louca, a Cristina!

Usava um chapéu de palha
Maior que um guardassol,
Ficava engraçada, a Cristina!
Queria se esconder, no entanto, iluminava mais que um farol!!!

Cristina usava um saião,
Que lhe tapavam os pés...
Ela acreditava que assim,
Teria imagem acertada a possíveis lembranças “infiéis”!?!

Não tinha boa fama, a Cristina!
Por coisas que aprontou na “explosão” do garimpo
E tentava a todo custo,
Passar sua história a limpo.

Mas a casa de Cristina era PAZ em cor azul!
Era pra lá que eu fugia,
Das agruras do meu dia!
Ou tardes muito vazias...

Lá do alto da cidade, dava pra ver
Um ponto ao longe azulado..
Ficava pra lá do garimpo, já quase em meio ao cerrado...
E era pra lá que eu fugia pra me iniciar na magia!

Eu ia escondida, claro!
Ou do marido preocupado
Com minha fama e reputação,
Ou de homens que queriam me encontrar em tal situação!

Tirava os óculos, o “ar” de seriedade,
Prendia em coque os cabelos, escondia em capacete garimpeiro,
Vestia roupas de homem, abaixava os olhos, cabeça!
Calçava só Hawaianas, pra tentar não cair na lama!

Eu descia e subia becos,
Escorregava, caia, chegava lá toda suja
De lama cinzenta de xisto, pegajosa e escorregadia
Mas tudo valia a pena para minhas horas vadias!

A gente tomava chás de folhas desconhecidas...
A gente trocava idéias de ervas medicinais...
A gente se consolava das saudades do Rio,
Tão longe e inacessível a nós!

Cristina, Garota-Ipanema que foi parar no garimpo,
Marcela, menina andarilha, que um grande amor seguia!
Duas cariocas malucas em meio a tanta sangria...
Eu consolava Cristina, Cristina me entendia...

Não sosseguei até descobrir,
Quem morava na Casa Azul,
No dia em que tive coragem, fui e palmas bati.
Abriu a porta, Cristina: 

-Até que enfim você veio! Entre! Beberemos chá incomum!

Tinha muitos filhos, Cristina!
Uns, de pai conhecido.
Outros de pai, bem...nem sabia!
Sempre que eu ia levava algum presente escondido...

Mas isso era só detalhe da vida do meu anjo, Cristina!
Comecei a ajudá-la nas escolhas ao se vestir.
Pra ser aceita socialmente, precisava mudar a aparência...
Era professora, a Cristina! E precisava emergir!

Eu, já lecionando, casada, marido mandão!
Precisava da Cristina para com ela aprender
A me fazer garimpeira, jeito e modo de falar!
Ganhar um extra no trecho, sem muito chamar atenção!

E quando a gente saía pra garimpar um pouquinho,
Por roupas largas e masculinas, optava, já orientada...
Sei que reconheciam a galega carioca, mas meu olhar era duro!
Ela foi ao meu lado, até eu estar pronta para não ser molestada!

Se meu marido soube de tudo, não sei!
Duvido! Sempre pensando que tinha controle de toda  situação...
Só mesmo quando descobriu nossa intensa amizade
Proibiu-me de estar com ela, eu sorri fingindo submissão...

Meu apelido era galega, o dela messalina, pra não usar palavrão!
Mas como era bom descansar na rede que havia esticada
Na varanda azul da Casa Azul de Cristina!
E jogar conversa fora, falar de homens, do Rio, comidas...

Lá eu dormia um pouquinho, longe da minha sina
Descansava, renovava, tomava chás e aprendia
Depois voltava pra casa com “ares de aula-extra”
Pra não dar explicações e continuar sendo gueixa...

Quando a vi pela última vez, estava bem minha amiga!
Professora, passou no concurso e conseguiu ser chamada!
Já podia manter os seus filhos,
Sem se dar pra garimpeiros só por dinheiro, sem alma!

Com ela aprendi tantas coisas...
Rodar peneira na cata, limpar galinha caipira!
Tirar água do poço, sem dentro dele cair,
A ganhar dinheiro extra, comprando e vendendo esmeraldas!

A lavar vasilha em jirau,
A olhar as constelações,
A ouvir chamados vindos
De dentro dos corações!

Aprendi a não ter medo de andar no cerrado à noite,
A fazer com ervas, folhas, cascas, chás para várias doenças!
Aprendi a curar febres que não tinham explicação...
A render-me à força das Lendas do meu cerrado sertão!



by MarCela Torres



Rio de Janeiro - Janeiro de 2007


Fatos vividos no Garimpo de Esmeraldas de Campos Verdes - Goiás entre 1987 e 1999 (quando não vi mais Cristina...)



"Onde quer que estejas, amiga...Que estejas BEM!!!"



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MarCela Torres
Enviado por MarCela Torres em 20/04/2007
Reeditado em 18/10/2012
Código do texto: T457539
Classificação de conteúdo: seguro
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