QUEM DEPOIS DE MIM, EU

Eu sou o negro esquecido

nos bancos e porões dessa cidade

Sou o estorvo aos olhos alheios,

porém, tenho minha dor e verto lágrimas

Sou a alma desalmada, posto que não sou gente

pra tantos outros, mais belos e alinhados de pele alva

Assim me fazem

Por isso não cedo; luto

Minha gente existe a despeito de não nos reconhecerem;

por isso lutamos

Sou aquele vindo de longe

Sou o navio negreiro, sou "aquele"

Ah,

pátria minha arrancada a sangue

minha dor jorra o vermelho líquido

e o asfalto se tinge de mim

Nos jornais não sou ninguém, não existo

Porém, é de mim que falam e debitam

o crime que eles cometem

Sou a bola da vez, sou a bola de toda vez

Nas esquinas e vielas,

não há manhã sem corpo estendido

e mães que choram

O sol brilha, o pássaro voa,

a chuva vem e eu fico

à espera do rabecão que me esquece

e eu viro o novo e repetido espetáculo

Eu sou o negro sem mãe

Sou o alvo escolhido da bala

e ninguém se importa, pra quê haveriam?

Por isso eu vivo, por isso existo

pra isso eu luto

Eu sou o negro

Sou Zumbi, Besouro

Sou Palmares, sou tantos e sou eu

Sou aquele que tomba

Sou a periferia, o subemprego

Sou da madame, o motorista

Na mansão, a empregada

Contra isso, eu luto

a despeito de me matarem

eu vivo e luto

nos outros que depois de mim vem