Ela, nem ai...

Onde ela estava? Porque demorou tanto? Em algum lugar do infinito, em outra dimensão, outro tempo, com algum safado que me locupletava sua presença, carinhos e talvez seu amor. (Pois ela sequer lembrava que era minha...).

Foram trinta e quatro anos de espera e quando chega não lembra mais de mim devido ao longo tempo passado. Esqueceu tudo o que vivemos naquela vida. Nossos beijos e afagos. O romantismo daquela paixão.

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Quando a vi no corredor indo para o banheiro tive que me conter. A casa era apertada e tive que me espremer para ela passar. Tive o ímpeto de beijá-la. Estava junto da pessoa que mais desejava naquele momento. Ela não sabia o quanto era importante para o meu ser.

Ultimamente eu estava me alimentando da sua presença. A minha vidinha cotidiana não mais me satisfazia. Vivia como um adolescente esperando o outro dia para ir à aula. Só para vê-la de novo.

Quando a conheci como colega naquela faculdade, não esperava tamanha empolgação do meu coração.

Misto de felicidade, alegria, imbecilidade de um viver “sem noção”. Vários sentimentos que estavam adormecidos afloraram abruptamente, de forma que me tornei refém dessa coisa inesperada que alguns chamam de paixão.

Eu já havia passado por muitos amores e achava que minha vida amorosa se bastava no meu casamento atual, pois o companheirismo e respeito é a premissa na minha relação. Parecia estar tudo bem. Até agora.

Quando a conheci, nos seus vinte e seis anos de vida, solteira, e eu nos meus cinquenta e oito anos, casado, não era provável alguma possibilidade de um quadro romântico entre nós.

Mas algo acontecia em mim que eu não conseguia controlar. Num crescendo inexorável, esse sentimento não parava de me espezinhar, cutucar a minh’alma com tanta força que eu me entreguei, jaz.

Como um pássaro que é levado por um forte vento, fui planando nessa maravilha que é o sentimento de amor entre dois seres humanos.

Aparentemente, ela não estava nem ai pra o que eu sentia. Nunca me deu maiores trelas. Tudo sempre foi entre linhas, classicamente, como eu gosto. E isso também era minha desgraça, pois me viciou. Mas eu não me importava. Nem me importo até hoje. Essa coisa me basta e abastece.

Amor platônico, mas que nunca deixou de ter seus momentos altamente sexuais em sua plenitude ilusória, onde suas imagens holográficas impregnavam minha retina desvirtuada. Viagens românticas que só os idiotas apaixonados sabem fazer e curtir.

E ela, nem ai. Sempre.

Seu semblante me mostrava uma garota de vinte anos e isso me inibia um pouco, mas ao saber que passara dos vinte e sete, meu ego de macho, sutil e esperançoso, se empolgou para algo que poderia ser uma possibilidade, mas que efetivamente nunca se consolidou. Transformou-se numa amálgama de sentimentos fortes e confusos devido às variáveis de nossas vidas.

E ela, nem aí.

Cartas, poemas, textos eróticos, e como diz O Cantor, só faltei ficar nu pra chamar sua atenção (e como seria ridículo).

E ela nem ai.

Passa o tempo e eu me desespero, pois não sabia se ela pelo menos nutria algum sentimento por mim. Nada. Durante nossa convivência, só senti algumas vezes seu rosto de aborrecimento comigo devido a algumas brincadeiras, até que uma vez me chamou de “sem noção”. Analisei, mas não adiantou. Eu estava realmente “sem noção”. Descobri que estava apaixonado! E os apaixonados são sem noção! Puta merda! Pensei. Depois de velho fui entrar numa dessas!

Pra mim, qualquer coisa que viesse dela era um sucesso, mesmo que fossem maltratos.

E ela, nem ai.

E naquela festa de uma colega, naquele corredor apertado, passando junto a mim encolhidinha, tive que segurar a força do álcool que nos impele a fazer besteiras. Nunca consegui decifrar seu sorriso para mim. Se ria de mim ou para mim. Até hoje. Sabe aquele sorriso de Monalisa? Até hoje é assim.

Sabe usar os artifícios sedutores de mulher vivida, mesmo sem ter tanta vida assim. Eu me lascando de amor,

E ela, nem ai.

Tô morrendo de saudades. Chegou a formatura e naturalmente o afastamento. Mas esse diabo de sentimento não se afasta nunca. Mando e-mails, torpedos, poesias e pensamentos.

E ela, nem ai.

Tá namorando um rapaz e naturalmente assim relevando e colocando para escanteio qualquer sentimento que porventura tenha aflorado. E que nunca deu mostras. Pura ilusão de minha parte. Acho.

Fico esperando noticias. Preciso saber como ela está passando. Se está feliz. Queria poder oferecer meus ombros se estivesse com algum problema. Um abraço, um aperto de mão, um conselho. Qualquer coisa.

Como diz aquele idiota do arrocha, - EH, paixão!...

Mas ela, nem ai...

10/13