[Dois tempos, um só tempo]
Eu caminhava lentamente ao longo da plataforma da estação... olhava o gado no interior dos vagões da composição estacionada... assustados, de olhos brilhantes, os bois me viam passar... e pareciam me olhar diretamente nos olhos!
Anos depois, embarco num voo para New York... desconforto, aperto, e medo... primeira lembrança a vir à tona: aquele trem de transporte de gado! A diferença? Ninguém a me olhar nos olhos... Será mesmo impossível um laço de empatia com o sofrimento de um animal, será?!
Em tudo por tudo, é assim: dois tempos passam em cada instância do filme da vida... Mas na verdade, trata-se de um tempo só: o tempo que reina em mim... o meu tempo-ser, tempo só meu, tempo que nasce da minha relação com as coisas...
E gosto de lembrar Sartre, nessa passagem de "O Ser e o Nada":
"O tempo corrói e escava, separa, foge. E também, a título
de separador — separando o homem de sua dor ou do objeto
de sua dor —, ele cura."
Eu ainda estou a aguardar essa cura...
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[Desterro, 06 de novembro de 2013]