POR E PARA ALGUÉM

Tu já viste algum vivente que cante no seu poema a mulher que ele tem? Tu, mulher, cantas em versos o homem que sabes possuir na tua teia diária? A Poética, no lírico-amoroso, recria a vida para tornar possível amar a quem não se tem no cotidiano ao alcance do tato... É deste concerto de ausências que provém o verso doce, convidativo ao jogo amoroso de corpo e cama. O mundo real é o da sadia presença, sala e mesa e suas surpresas desejosas, lá de quando em vez. É muito difícil a constância do amar de quarto e sala. A rotina se encarrega de esvaziar o encanto. A vontade de sentir-se amado exige o milagre da transfiguração da matéria da vida... Esse o Mistério que nos apresenta a Poética, onde o amor não sucumbe nos atos-fatos do antes ou nos relatos do depois. E perpassa tal um raio de sol memorial para o tempo que ainda resta. Enfim, permanecem – avaramente – os bons momentos de entrega ao “eu e tu”. Maviosa maresia de ser e estar no mundo por e para alguém. Nada mais encantador para justificar o viver...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/4557076