FUI EMBORA PORQUE TE AMO, RETORNO PORQUE PRECISO
“Homenagem do povo do século XIX ao povo do século XX” - Essa inscrição está numa placa no alto de um obelisco fincado, também próximo do céu, na parte mais alta de um penhasco banhado pelo rio. Essa imagem é banhada de luz poente, e chegamos com o narrador que não tem cara é um rosto anônimo como todos os habitantes da região que vão ver as águas do rio serem transpostas do curso natural por um canal cuja arquitetura e construção prometem amenizar as agruras da vida agreste.
Anônimo (esse será o nome do narrador) mas não invisível, a voz do personagem narrador é uma presença tão angustiada quanto pode ser a monotonia da paisagem seca. Enquanto percorre a região tomando nota e fotografando aspectos geomorfológicos para sustentar o projeto da transposição vai narrando o diário das pessoas que encontra pelo caminho, seus sonhos e sua miséria. Nos faz conhecer o casal de velhos que mora na fazenda que será desapropriada, vivem ali desde sempre e nunca dormiram longe um do outro. Na beira da estrada os bordéis estão cheios de mulheres que preferiam estar em casa. A procissão de anônimos parece não ter fim na repetição dos quadros que se alongam em cortes e sequências que remetem à Serguei Eisenstein sem nenhuma perspectiva de revolução. O protagonista é geólogo e sua amada bióloga, enquanto o que o motiva é a beleza das falhas geológica ele segue vendo beleza nas flores – toda casamento é feliz, afirma para em seguida perceber que sente a falta do que desprezava. Na sequência final desse texto mostro para o leitor o obelisco e a homenagem ao povo do século XX citada no início, do penhasco homens saltam para a morte na arrebentação do rio contra as rochas, mergulham no azul dourado pela luz que se despede porque é fim da tarde. O personagem narrador, o Anônimo, então diz que o que ele mais gostaria naquele momento era poder mergulhar dentro da vida.
E tudo é uma suspensão só.