O Campo e o Lago

Sabe querido, ando desiludida de tudo, mas pior, desiludida da vida. Pois se fosse o tudo como universo não haveria de ter diferença entre o passado e o presente, entre mim e outro ser. Afinal, quem nunca questionou o universo e procurou a razão do ser? Mas a vida anda vazia, espertina, corre de braços abertos, vespertina, mas não a acompanho, nem mesmo a passos lentos. Posso ver os seus longos cabelos desfiados ao vento, são leves e macios, cheiram à colônia de pêssego- colônia que andava comigo - e o castanho reluz levemente o brilho do sol alto entre nuvens.

Então, lá se vai Camila de braços abertos, vez ou outra ela olha pra trás e pisca para mim, ou corre mais lenta pra que eu possa alcança-la, às vezes ela se vira e caminha de costas com um sorriso nos lábios coloridos de gloss importado – e mais nada de maquiagem- enquanto balança os braços para me chamar. Podia pensar que eu não a via, ou que me distraía com a paisagem e a brisa cortante, mas não. Eu a via perfeitamente, admirava e encarava como uma espectadora de um grande espetáculo.

Ao redor, tudo era grama seca e amarela. Por detrás delas saía, às vezes, um dente de leão que encaixava suavemente entre os delicados dedos de Camila. O local era de fato isolado, com pedras escondidas por todos os lados e eu tropeçava rigorosamente enquanto cambaleava à procura do equilíbrio. Ao longe pude ver uma única árvore retorcida e mal reparei que perdia de vista a menina bem vestida. Mas seu vestido estava rasgado e um pedaço de pano flutuava pelo ar enquanto ela ainda corria, para um lago sombrio e distorcido, logo atrás da solitária árvore.

Ah, meu amor, você não sabe como gritei seu nome, mas ela estava longe demais para me ouvir. Queria pedi-la pra esperar-me. Minhas roupas também estavam rasgadas, mas as pedras pontiagudas me fizeram isso enquanto eu tropeçava e perdia meu equilíbrio, mas quanto à ela, difícil saber o que havia atingido seu firme correr.

E do lago saíram seres distorcidos e deformados, dançavam no ar enquanto o tempo se fechava, uma tempestade se formava e minha companheira havia sumido. Éramos eu e o monstruoso lago. Seres vibrantes ondulavam rapidamente no ar, era um tipo estranho e grotesco de flutuação e quando passavam por mim deixavam um rastro de água pelas roupas.

Meu corpo respondeu com um impulso rápido e inexplicável. Corri pra mais perto do lago, queria vê-la, minha vida havia se perdido em meio ao lago assassino. A adrenalina, antiga amiga frequente, me achara na hora de desespero, duas partes dentro de mim falavam, gritavam, mas eu apenas segui sem encarar aos fantasmas entorpecidos de prazer brutal- eu segui. E de repente eles começaram a se esvair, como poeira que assenta. Não havia lago nem fantasmas, o sol brilhava entre nuvens no céu e Camila reluzia de perto o seu brilho em seus cabelos castanhos repicados. Eu estava ao seu lado, correndo, sentindo a brisa fria raspar em meus cabelos enquanto ela entregava uma rosa branca em minha mão.

Virei-me então, não havia lago, ali só um mar de rosas desabrochando em roseiras espalhadas pelo solo. Vi a parte do vestido de minha vida balançar em um deles. Então percebi novamente que a vida não me espera, ela me faz acordar e alcança-la, é minha melhor professora e me fez abrir os olhos para apagar a densa miragem da minha mente enquanto enfrentava-a.

Querido, estou novamente cansada, mas vou continuar correndo um pouco mais ao lado dela, seu perfume e seu sorriso são contagiantes. Espero que um dia sua vida corra em direção à minha, cabelos ao vento, saudáveis pernas esguias e um brilho nos olhos.