ABAJUR LILÁS  
POR CARLOS SENA



Pra não contar "carneirinhos" deito e rolo na cama que a fama não me quis adormecer. Porque dizem que quem tem fama deita na cama. Eu não. Prefiro o anonimato, porque na clandestinidade a gente parece que se encontra mais. 
Um dia o poeta disse que "tudo se gasta quando se revela". Depende. Porque tudo pode se robustecer, por exemplo, sob a noite escura - daquelas que enegrecidas pela madrugada se fortalece na solidão pelos mistérios da noite. Por isso, não quero "contar carneirinhos" como fazia nos tempos de infância. Quero rolar vendo a noite rodar feito uma estrela perdida. Assim, eu olho pra noite e ela pra mim me observa. Até que uma nesga de luz invada o quarto minguante e eu, pujante, arfante em busca de mim me encha de desejos. Mas, sozinho, sem carneirinho e sem carinho de quem amo, busco na boca da noite o beijo. Mas, que beijo? Ele virou flor e minha janela virou ponto de espera: espera o dia clarear para ver o colibri colher brisa, colher de mim o que o templo plantou. Colher tempo e tempestade, colher a sombra das horas mornas em que deitava no colo do meu amante...
Pra não contar "carneirinhos", melhor cantar uma cantIga de ninar. Ou deixar o abajur lilás invadir a noite negra, pois afinal "quanto mais negra é a noite mais longa é a madrugada"...