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As têmporas já ha horas, quiçá dias, apertam minha mente e dentes. Não faço ideia do que seja e nem me interessa mais saber. Vai ver são palavras insatisfeitas batendo os pés na madeira da minha cabeça, um piso antigo, arranhado e carente de cera.

Nas janelas que insisto em abrir o vento corre, e de tímpano á tímpano algumas folhas voam, penetrando a casa da minha cabeça, apesar do aperto. Um ouvido entupiu, não ouço mais dois lados, e por um, o único que ainda ouve, ouço um silêncio dançando com a música bem baixa que repete e repete e repete...

Sei que um poeta já deve ter dito coisas que digo hoje, mas o que fazer? palavras são assim, reutilizáveis, quase recicladas. E ao mudarem de cabeça e se mudam tanto, vão trocando de perfume, de roupa e de tato.

Acho que sinto uma certa inveja das raízes, elas são tão fixas e tão úteis, e tão belamente encantadoras quando lentamente mostram as sinuosas perdas enlaçadas após cada chuva! não apressam as areias, não empurram a grama, apenas deixam tudo como está, e ainda assim mudam tudo de lugar!

Já não sinto dois dedos da mãos esquerda, eles foram dormir, assim como penso eu, durmo também, existo apenas quando saio de mim, quando me desprendo, quando ouço coisas que ninguém mais ouve. Aliás perdoem-me! os poetas também ouvem o que ouço.

Quem somos nós? meu Dio! quem somos nós? Para onde vai a cachoeira de palavras com a qual me lavas, enxáguas, ensaboas e derretes?

Onde evaporou aquela gota que mandei para ele? e que com um sorriso sorveu da tela que pintei pela manhã?

Mais um dedo foi dormir! acho que estou com medo, o queixo avisa que tem algo caminhando silenciosamente dentro de mim...sorrir se torna tão impreciso! já sei que jamais saberia acenar para esta página, num longo sorriso que se distancia devagar, eu não conseguiria!

Talvez o que nasceu não tenha nascido para viver, mas para fazer enxergar a cegueira! para arrancar teias das aranhas mais malvadas...ou quem sabe nasceu assim igual poema que nasce apenas para voar, para tomar outras mentes, outros corpos, outras vidas, outros ais!

Ah! como eu queria sentir ciúmes, me enfurecer, brigar com a morte! mas ela não me da a menor atenção! sai pela sala com seu vestido esvoaçante e aquele riso irônico de quem nada sabe.

E dentro a este todo desassossego, só consigo ver a janela, a janela que venta forte, o mar que bate desesperado, o tempo que galopa e cai, e esta vontade de que seja só sonho ruim.

É...o eco que faz quando passo a mão em meu rosto ecoa lá dentro. Um som de maciez e rudeza, uma aflição mansa e densa, é como se a poesia e a vida decidissem fazer amor.

Estou com medo! muito medo! de tudo que a poesia anda falando ao meu ouvido surdo.

Márcia Poesia de Sá - 2013.

Márcia Poesia de Sá
Enviado por Márcia Poesia de Sá em 26/10/2013
Código do texto: T4543064
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