UM SONHO QUE PARECIA REAL

Eu, no entanto, avistava o vulto diante de mim, o vulto da mulher amada, ali na moldura da porta que jamais ousei ultrapassar. A porta limite, a moldura que dividia o sonho da verdadeira e dura realidade. Eu que havia vindo de longe, amassando o barro, abrindo os meus próprios caminhos, hora me perdendo, hora me achando, sozinho, pisando as relvas distantes, as colinas de ventos uivantes, às vezes suaves, cálidos; colhendo as flores dos campos para que pudesse lhe trazer preservado o cheiro da eterna primavera; estava ali, em sua frente, pronto para oferecer um turbilhão de carinhos. Olhava fixamente para os teus olhos castanhos, como se eles já fossem tão íntimos dos meus olhos castanhos desde outra eternidade, de outras vidas, tão meus dentro dos mais de mil dias que vivi, antes que pudesse realmente estar ali, te surpreendendo, com o coração nas mãos, embrulhado na seda azul onde outrora envolviam maças, pronto para entregá-lo sem que ao menos eu te perguntasse se o querias, feito um adolescente apaixonado, oferecendo o meu destino para que ele fosse próprio e exclusivo do seu destino.

Ali, entendi rapidamente a complexidade que envolve o destino de cada um de nós, tentando me justificar e querendo me dar conta de que o seu destino não poderia ter o destino de findar no meu destino. Mas se esta era a realidade dura a ser enfrentada ali, porque não implorar para que a gente pudesse ousar e nos deixar envolver, nos permitir, permitir nos tocar, tocar nossas almas, entregando-nos apenas à aquele momento? Eu me contentaria com um parêntese no meu e no seu tempo, com um pedacinho só dos nossos destinos esbarrados ao acaso, que fosse só aquele único momento, um dia talvez, apenas um dia, um meio dia que fosse e que ficasse eterno, sem fim, absorto, inerte em nós, cada um entregando ao outro o seu momento e juntos entregando os nossos doados momentos nos braços languidos do silêncio, sentindo-nos integrantes dos nossos universos trombados, deixando-os transformarem-se num só universo, inteiramente nosso, cheio de astros e estrelas, brilhando no seu e no meu corpo, nos misturando aos poucos numa poeira cósmica de carinhos, corpo a corpo, centímetro por centímetro, devagar, até não sabermos mais quem era eu e quem era você dentro da vastidão de nossas almas.

Sonho. Acordo sobressaltado, ainda tendo em mente a última imagem, agora eu ainda criança de bicicleta rumo ao destino, espantando passarinhos em revoadas pelos caminhos. Talvez porque na realidade você seja mesmo isso, uma revoada de passarinhos saindo de minha mente a cada instante, assim como as revoadas de palavras que procuram pouso na minha poesia, a qual procura justificar com rimas perdidas tanto sentimento sem explicação. Quando durmo é como morrer em mais uma noite sem você e quando acordo, estou nascendo novamente para viver outro dia com você, dentro de mim, te vendo ali, na moldura da porta que jamais eu ousei ultrapassar.

Paulo Del Ribeiro
Enviado por Paulo Del Ribeiro em 24/10/2013
Reeditado em 24/10/2013
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