Poucas palavras de uma vida inteira
Tristeza
Disse minha mãe:
os seus desenhos são tristes.
E eu conheci então uma tristeza
que fui buscar não sei onde.
Depois disse (teve de dizer):
os seus poemas são tristes.
E eu entendi essa tristeza derramada
que era tanta que até transbordava.
E desconfiou uma vez:
você deve ser muito triste.
E eu senti que essa tristeza importava
e era do fundo que emanava.
Eu represava, represava mesmo.
Mas ela era de transbordar e transbordava.
Aprendi então a ser alegre assim,
mas com a tristeza guardada num canto,
a tristeza preservada, perpetuada em mim,
resguardada de qualquer medo que houvesse,
medo de não sorrir e ser triste, só ser triste,
medo de não encontrar a tal felicidade,
medo de essa tristeza ser de verdade.
Mas a verdade era o que nunca era
e o que era, era ainda mais triste,
muito mais que essas tolas alegrias
que muito mal a disfarçava.
A verdade era não haver nada,
nem alegrias, nem felicidade.
Só a tristeza encarnada
(essa tristeza fincada na carne),
com a qual vamos inventando
e reiventando a realidade.