Poucas palavras de uma vida inteira

Tristeza

Disse minha mãe:

os seus desenhos são tristes.

E eu conheci então uma tristeza

que fui buscar não sei onde.

Depois disse (teve de dizer):

os seus poemas são tristes.

E eu entendi essa tristeza derramada

que era tanta que até transbordava.

E desconfiou uma vez:

você deve ser muito triste.

E eu senti que essa tristeza importava

e era do fundo que emanava.

Eu represava, represava mesmo.

Mas ela era de transbordar e transbordava.

Aprendi então a ser alegre assim,

mas com a tristeza guardada num canto,

a tristeza preservada, perpetuada em mim,

resguardada de qualquer medo que houvesse,

medo de não sorrir e ser triste, só ser triste,

medo de não encontrar a tal felicidade,

medo de essa tristeza ser de verdade.

Mas a verdade era o que nunca era

e o que era, era ainda mais triste,

muito mais que essas tolas alegrias

que muito mal a disfarçava.

A verdade era não haver nada,

nem alegrias, nem felicidade.

Só a tristeza encarnada

(essa tristeza fincada na carne),

com a qual vamos inventando

e reiventando a realidade.

Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 24/10/2013
Reeditado em 02/08/2021
Código do texto: T4539292
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.