Epifania

Os tremores da natureza e do homem subitamente recaíram sobre mim; a industria ressoava em meus ouvidos com uma batida ecoante e um sopro ritmado. Enquanto caminhava, seguia ouvindo todas as manifestações do silencio. Ouvi, um tanto quanto arrepiada, o estalar de um besouro esmagado pela impetuosidade da distração. Percebi ao longe uma coruja, inquieta e errante, perceptivelmente irritada. Voava ao redor de uma área delimitada, observava o predador com a voracidade de quem não teme. Enquanto tudo isso acontecia, o vento perpassava meus olhos, meus cabelos, deslizava tal qual um amante pelas frestas de minhas roupas. As árvores ao redor balançavam-se vagarosamente, sem pressa de morrer, como quem se entrega a um prazer espontâneo e necessário; suas folhas caiam sobre mim e eu partilhei daquele deleite singelo com um sorriso involuntário e uma vontade de poder me derreter por entre as folhagens... veio-me uma ânsia, uma agonia de ser humana; de repente, me vi querendo ser liquida, me vi sofrendo por ser terra querendo fluir com o mar. Todo aquele cenário suntuosamente natural me pegou pelo braço como uma autoridade e me levou para a floresta labiríntica de meus olhos cansados. Ali, me deixei perder do mundo, abandonei os desejos que me atormentam por alguns momentos, esqueci todas as dores. Me desvencilhei das horas que corrompem aos poucos, me deixei afundar calmamente numa agonia catártica, sublimei toda a selvageria contida na discrição dos meus anseios. Quando voltei à condição mundana e à exaustão de ser lunar em meio a tempos de sóis nebulosos, me dei conta que havia vivenciado apenas uma parcela de minha imensidão; aceitei que não sou uma, mas várias, e que todas me seduzem, todos os meus eus possuem um pouco de fluidez do mar, hibridez do solo, prazer do ar e audácia do fogo. Os elementos se apoderam de mim, do urbano e dos âmagos, e eu me deixo levar, de mãos dadas a todas as minhas identidades.

Ainda transtornada, resolvi caminhar. Percorri o caminho solitário com um sorriso estampado, envolta mais uma vez pelas sutilezas da brisa que me acompanhava. Aceitei este cancro que é viver, aceitei de joelhos o suplicio de meus anseios e toda liberdade que se manifesta em meus movimentos.