Página em branco

02h00min.

Na sala ouço o barulho do relógio de parede, mastigando o tempo, pressionando-me.

A xícara de café, companhia das noites insones, repousa em cima da mesa, oprimida entre mim e as folhas de papel que aguardam, solenes, serem maculadas pela tinta negra da caneta.

A tela do computador mostra o último e-mail recebido. Meu editor cobrando o texto.

Mesmo dispondo do computador, ainda escrevo, antes, nas velhas folhas de papel que, junto com a caneta, são material de uso contínuo – mas que agora apenas aguardam.

Procuro em meus pensamentos uma palavra para iniciar o texto. Tudo confuso, nada encontro.

O relógio continua seu percurso. Meus olhos, a cada minuto, passeiam pelos ponteiros, procurando um refúgio que não encontrará. O tempo urge, ou ruge feito um leão faminto. O leão, agora, personificado em meu editor. Outro e-mail, mais uma cobrança.

O silêncio da casa é quebrado pela algazarra dos gatos boêmios. Eles sim, são felizes, penso. Farra, uma rua e o telhado só deles. A lua, trêmula no céu, guarda alguns segredos.

O tempo passa e vai tecendo no discurso do silêncio a minha agonia. Agonia do escritor sem palavras, literalmente. Onde, afinal, foram parar as palavras? Onde repousa a minha inspiração. Penso uns versos da Adélia Prado, que dizem: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Aqui Deus tirou-me a prosa. Procuro-a nas entrelinhas do pensamento, mas ela escapa. Brincadeira de esconde-esconde para uma criança já crescida e que nesse exato momento está de mau-humor.

Sempre gostei do silêncio para escrever. Nunca consegui escrever ouvindo música, ou pessoas falando ao meu redor. O barulho nunca me inspirou uma poesia, uma crônica, uma linha qualquer que fosse. Já o silêncio, companheiro quase frequente, auxilia minha inspiração. Mas hoje o silêncio causa-me certa aflição. A aflição do escritor que vê a página em branco, à espera das palavras que não vem. O que, afinal, fazer? O café esfria ao lado. Do outro lado da cidade um editor furioso me aguarda.

Começa a chover. Os gatos de outrora fazem silêncio. A lua some, na densa nuvem que se espalha ao seu redor. Agora ouço apenas o relógio, faminto, devorando as cinzas das horas.

A chuva desliza sobre o telhado enquanto esquento o café. Café e silêncio.

Outro gole, nenhuma ideia. Deus deve mesmo ter me deixado por um momento. Muitos afazeres, tantos pedidos, quase nenhum agradecimento. E eu peço, quero o texto, preciso das palavras. Mesmo assim, a página continua em branco.

Rita Venâncio
Enviado por Rita Venâncio em 16/10/2013
Código do texto: T4528295
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