[Capim Dobrado à Força do Vento]

[Só se levanta quando o vento para. E lágrima rolada é o quê, hein? ]

Sabe, todo o meu sofrimento na vida é experimentar a impermanência das coisas, a rapidez da passagem das cenas do meu filme, enfim, das pessoas pela minha vida! Não me canso de repetir: o único jeito de eu me acalmar é sentir-me viajando, num trem noturno, pelos chapadões, pelas planuras da minha Minas. De noite, eu deito a cabeça no travesseiro, entro nesse trem, e viajo, e viajo, e viajo... e penso na cena rápida do capim dobrado à força do vento da passagem do trem a se levantar placidamente... até outro trem, outro vento... e outro... e outro...

Eu já devia de ter comprado o coringa faz tempo: a minha construção cumpriu-se, cansei — está mais do que provado que eu precisava de já ter morrido! Eu tenho muita inveja do meu pai, morto aos 27 anos, sem ter os olhos cansados, cheios do que viveu. Mas eu, sem essa cura, vou indo nesse trem noturno, viajando, viajando...

A luz da vidraça do vagão ilumina a brancura cinzenta da paisagem, a galharia seca, retorcida, vai passando, vai ficando para trás. Na raleira do chapadão, as árvores mais altas são apenas vultos escuros, atarracados.

A paisagem se alonga, se estende, é sem fim. E lá no concerto do céu com a lonjura, os buritis mais altos querem espanar o cinza-claro das nuvens enluaradas. Os meus olhos são famintos de estrelas, enquanto o Cruzeiro do Sul desmaia no horizonte, na falta de palavras, a distância devora tudo, tudo; devora até os meus pensamentos.

Animal, assim, no visível, nenhum, nada; nenhum sequer pra contar a história do outro, salvo os bichos miúdos, que esses, à noite, a gente nem vê; o lobo guará, signo da liberdade arrancada do caos da secura, não se arrisca nas proximidades da linha do trem, o lobo fica mesmo só na imaginação, assim: enquanto eu cavalgava numa trilha da capoeira, naquela vez em que... ah, olha ele lá, o guará passando ligeiro! Feito uma sombra, avermelhou na poeira, sumiu entre os carrascais!

E lá no céu, a lua branca campeia por sobre tudo, feito uma puta que olha do alto de uma arrogâcia: dá pra todos, por um tostão de olhar. Dá pra mim também que tenho essas manias de poetar com as palavras...

[A realidade: um certo Brasil, um certo nascer, morreu, morre comigo]

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[Penas do Desterro, 17 de abril de 2007]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 17/04/2007
Reeditado em 14/09/2012
Código do texto: T452507
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