APONTAMENTOS SOBRE A GUITARRA E O CANTO
Todas canções têm algo de sonho, ao reviver o mistério do canto.
Todo o guitarrista que ama o seu instrumento tem o ritmo nos dedos. São guiados pela emoção, os dedos. É um corpo único o braço do cantor e a guitarra prenhe de curvas e horizontes. A energia transita no corpo, e uma fonte inesgotável de trejeitos despeja o som sobre o rosto do cantor. Talvez, por isto, a cabeça pareça um abajur.
Tudo o que conta não tem sentido quando falecem os signos. Palavra é mais que mistério: som dos neurônios batucando na mesa. O imprevisto e o impossível desenham a clave de sol. Todo o cantor que se preza traz nos lábios um pentagrama. Na sua garganta nasce o pentagrama; o reino das claves, a morada da palavra em seu vestido de festa.
É um personagem pobre o que não canta, aquele que só sabe falar. Tudo o que me consome é esse mistério intraduzível de ser apenas a voz do espontâneo, o despido improviso. Para o poeta, quantos sons o mistério do silêncio esconde na palavra.
Nada me sabe a música com a sua harmonia, o seu tempo certo, o ritmo na pauta, porque o desenho do meu rastro, a garatuja da palavra, é um cinzel roto de destinos.
Enfim, todo o cantor é mudo quando é intérprete somente a voz.
ANOTAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DESTA OBRA:
(a pedido da Professora Zully Oney Teijeiro, para aproveitamento na monografia de conclusão do curso “LINGUAGEM E LETRAMENTO”, com foco na leitura e análise textual, FAPA, 2001)
Normalmente deixo o escrito “de molho” por cerca de 100 dias, para que possa "esquecer" do fato (o real) que deu origem ao texto (a transfiguração da matéria do real) e, então, já distante do tempo em que ocorreu a catarse criativa, com mais racionalidade, fruto deste transcurso temporal, possa fazer a “cirurgia” do texto, cinzelando-o como o escultor que busca a beleza estética em sua obra.
No texto acima, o processo durou cerca de trinta dias, desde a espontaneidade do “nascimento” até a forma final.
É que se trata de um texto em prosa, onde as exigências técnicas são mais inespecíficas. Aliás, esta parece ser uma boa diferenciação entre a prosa e a poesia. O poema é um universo que exige muito mais especificidade estética, onde o poder sugestional, a metáfora, a transcendência e o “tonus” poético, que traduz a “tensão”, a fortaleza do verso, a palavra encadeada com o seu mistério intrínseco, caracterizam a cifra poética.
Este é um texto em prosa (formalmente) que, por sua linguagem cifrada fica nesta zona gris (havida) entre a prosa e a poesia.
É a chamada prosa poética, mas não é, a rigor, um texto com a especificidade que a poesia da contemporaneidade exige.
Falta-lhe a síntese, para vir a ser poema. E esta não se tornará poema (a forma descontraída de poesia, diversamente do metro clássico, da poesia rimada), mesmo que se lhe faça várias cirurgias no texto. Este perderá o sentido e acabará um texto truncado, se assim procedermos.
Vale a prosa!
– Do livro EU MENINO GRANDE, 2006 / 2008.
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/45225