ARTISTA DA NOITE
Eu apenas andava...pelos rotineiros desníveis das calçadas.
De repente, cedi às tendências da imposição dos muros altos, imaginei minha nova tela e também ali me grafitei.
Então, num amálgama de cenários singulares e mundanos, dentre um quadro de tudo onde cada um é só um invisível nada, me reconstruí dentre os demais muros erguidos de desespero, de tempos esquecidos e furtados pelas tantas ruas a esmo, e como um exímio artista da noite, iluminei a vastidão dos tantos vácuos mal caiados, a optar por acender as cores também nos escuros que não eram meus.
Na grafitagem noturna, escondi todas as imperfeições, as mentiras, as hipocrisias, as amibições, os buracos das ideologias vazias, os gritos , os medos e desejos que resfolegavam em conjunto, represados, num coral humano de silêncios infernais.
Dentre tantos dragões carmins que nos sobrevoavam, apaguei o primeiro fogo da labaredas ocultas e disseminadas dos ódios infundados, e frente ao meu pincel embebido nas cores fortes das convicções , ousei reluzir nas calçadas um colorido e inesperado grafite de mundo cor de sol.
Senti um raro perfume de vida.
Dentre tantos surreais, minha tela era apenas mais um contraposto grafite surreal, portanto, nada de tão original assim. Um asfalto remendado nos desvios das vidas.
Mas aos poucos, as gentes se achegavam a mim, e num batalhão de cores refeitas das vidas amorfas, semi-grafitadas em tons angustiados, repintamos, todos, cores vivas nas cidades pálidas , as das paisagens humanas esquecidas, exatamente como hoje é de costume se fazer pelos becos escuros dos muros mundanos.
Quando tudo parecia pronto... despertei assustada, ciente de que a realidade das noites sempre se nega aos embelezamentos fictícios, aqueles que apenas disfarçam o íntimo das essências descoloridas, grafitadas com falsas tintas que se dissolvem ao efêmero toque dos sonhos.