É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! (ÁLVARES DE AZEVEDO) - O HUMOR NA "LIRA DOS VINTE ANOS"
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi — minha fada aérea e pura—
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono! . . .
Tinha na mão o ferro do engomado. . .
Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la. . . roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido. . .
Oh! de certo. . . (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela. . . que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores.
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio.
É ela! é ela! — repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta. . .
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver
Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela, — eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela. . .
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou—é ela!
(Obras, 1853. Lira dos vinte anos, 2ª parte)
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É o poema mais humorístico de Álvares de Azevedo (1831-1852).
É uma “história” de amar.
É um namoro. Não é o “Namoro a cavalo”! Mas, é um namoro!
São quarenta versos (cada uma das linhas gráficas) divididos em dez estrofes (conjuntos de versos) de quatro versos (quadras).
São decassílabos (dez sílabas poéticas).
Vejamos a escansão (divisão em sílabas sonoras) da primeira estrofe:
“É-e-la!-É-e-la!-mur-mu-rei-tre-/men-do
E-o-e-coao-lon-ge-mur-mu-rou-é-/e-la
Eu-a-vi-mi-nha-fa-daa-é-reae-pu-/ra
A-mi-nha-la-va-dei-ra-na-já-ne-/la.”
De sua residência, o jovem poeta vê sua amada “estendendo” roupas no telhado e suspira enamorado.
O conjunto de rimas é o mesmo em todas as estrofes, ou seja, o segundo verso rima com o quarto verso.
Ele é tão apaixonado que espreita, como um leão faminto, o sono da amada (Que é pesado!), mesmo assim não diz se é correspondido, e observa também coisas triviais como o ronco de “seu” amor.
Ele furta um bilhete pensando em lindas trovas de amor, mas ao ler, percebe que se trata de um lista de roupas sujas e o fato é “anunciado” por uma coruja (simbolizando o azar).
Que poesia poderá resistir a um rol de roupas sujas?
Finalizando o engraçado poema o autor faz analogia com as grandes histórias de amor do seu tempo (E do nosso também!), o amor de Werther e Carlota (“Os sofrimentos de Werther – Goethe), o amor de Dante (“A divina comédia” – Dante Aliguiere) e Beatriz, e espera que o seu seja diferente, isto é, realize-se.
Nas profundezas textuais percebemos que o poeta ama sua “lavadeira” e tudo fará por ela, inclusive, “vencer” certos impedimentos - “sociais”.
Augusto de Sênior.
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)