A VISITANTE
Era noite, noite alta.
Lá fora havia um vento solto
que corria desenfreado
varrendo os papéis da rua
e roubando folhas das árvores.
Era noite, noite alta...
Havia também uma chuva
que, desde cedo, caía intermitente
e uma lua esquálida
que timidamente tentava aparecer...
Era noite, noite alta...
- “Toc, toc, toc”...
Batidas em minha porta...
Quem seria àquela hora?
Eu não esperava ninguém.
Quem sabe não era o vento
querendo pregar-me uma peça,
ou talvez até fosse só impressão
de quem deitado estava insone.
- “Toc, toc, toc”...
Batidas em minha porta...
Quem estaria chamando
naquela noite tão triste,
àquela hora avançada?
Não, não pode ser um ladrão,
talvez fosse alma penada
ou, quem sabe, seria o vento
em sua louca disparada?
- “Toc, toc, toc”...
Bateram uma vez mais...
Não, não era só impressão,
eram batidas reais.
Talvez fosse a pobre lua
que abrigo procurava
pois a chuva violenta
até a lua molhava
ou, quem sabe, o chamado insistente
não era de uma estrela cadente,
de uma estrelinha molhada,
trazida pelas asas do vento
em sua louca disparada?
- “Toc, toc, toc”...
Bateram outra vez e mais forte...
Quem sabe seria um mendigo;
quem sabe algum amigo;
quem sabe alguma criança;
quem sabe algum transeunte;
ou quem sabe seria a morte?...
Ah! era demais:
- nem mesmo no meio da noite
já não se pode ter paz.
Deveria haver uma lei
proibindo terminantemente
batidas em portas fechadas
e visitas inesperadas
em horas avançadas,
pensei.
Decidi não abrir, fosse quem fosse.
Escondido entre o lençol e travesseiros
escutei, ainda, por várias vezes
o toc-toc insistente.
Inutilmente tentei dormir.
Não consegui.
Depois de algum tempo
percebi que a chuva passara,
que já não havia mais o vento
e que também as batidas haviam cessado.
Então, curioso,
levantei-me de mansinho,
ouvidos atentos,
pé ante pé pelo corredor
cheio de medo e ansiedade
abri a porta devagar
e olhei para a rua,
ninguém...
Saí um pouco mais.
A rua estava molhada.
Havia apenas um Amazonas-sarjeta
levando os restos da chuva.
Olhei para a um lado, tudo estava deserto.
Olhei para o outro
e lá longe,
já dobrando a esquina,
caminhando a passos largos,
completamente molhada
e tiritando de frio
ia a felicidade...