Do Fantástico e do Fantasmagórico

Trouxe da boca do estômago
para a boca do poeta (quem poeta?)
um grito, aflito a ecoar na boca da noite,
dessa noite ainda tão calada,
e acabada na calada da noite:
palavra.
Marcada e cansada, desesperada,
que em completo desatino desfia
a magia de um véu do silêncio
e descortina visões do fim do mundo,
lá onde e quando o grito ecoa
de boca em boca com o que sai da boca
e entra para a vida como silêncio quebrado
e só. Do pó ao pó, como dizem.
Vós sois o pó da terra. Eu não sou.
Vós sois o nó na garganta. Eu não vou.
Vós estais sós no abismo. Eu não voo.

Foi de repente que vomitei
uns versos engasgados de poemas presos,
há tempos, versos de alguns amores
perdidos, ou do amor em mim
nunca antes visto, ou tocado,
ou sonhado. Nem adivinhado.
Imaginado...

Um punhado de visões adivinham
todos os tons desses infernos existenciais.
E tão coloquiais.
Tudo o que existiu naquele inverno,
na solitária primavera já não existe mais.

As aves tem abrigos,
as feras tem amigos,
bandidos com bandidos;
e eu tenho aqui comigo
o desabrigo do que eu era,
besta ou fera, real ou quimera,
inseto ou ave, infecto, incompleto,
a chave para nenhum teto
de um mundo talvez melhor,
menor e distante, inexistente.

Por que não fomos?
Por que não somos?
Por que não pomos?
Onde é que estamos?

Isto não é um jogo de palavras,
são palavras em jogo que jogo fora,
porque não posso mais carregar...

Pode entrar! A porta está berta.
A porta de casa, do mundo, da vida,
a porta de nenhum destino,
do meu coração menino que um dia
aprendeu a mexer direitinho, o danado,
com essas portas que temos no peito.
Quando aprendeu a dor do pretérito perfeito.

Em cada pensamento meu tem um porto
de uma cidade a que nunca fui.
Em cada desejo trago velas enfurnadas.
E minhas jornadas não são de sonhos,
são de coisas que vão ainda acontecer,
mas que no entanto já são passadas.

Porque eu já sei das águas em que naufrago.

Não tenho tempo nem para ter tempo.
E eu me apresso e me perco aturdido,
confundido nessa pressa de me apressar.
Acerto o passo, aperto o traço e desenho
o esboço de uma vida feliz que não há.
Há só essa tanta pressa em tanto se apressar
e depressa me apresso porque não tenho tempo.
Não tenho tempo nem apreço pelo preço que pago
por merecer aquilo tudo que não mereço.

Não tem preço sua vida, mas foi vendida:
dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três!
Vendida ao cavalheiro que compra vidas
e paga com outras vidas que nem comprou,
que coleciona vidas, uma a uma, cada uma,
e prega ali no álbum do tempo onde ficam
ali pregadas para todo um sempre,
amarelecidas, amanhecidas, esquecidas,
e ressequidas...

Você não quer que o Amor fale de amor.
Então o amor se aquieta e inventa flor,
ou perde a paciência e inventa palavras
com que se disfarça de todos os outros,
mas nunca de você. Nunca. Nunca de você.
Ele se oculta num outro nome e ainda tem fome,
sede, desejo e saudade. E continua a ser,
por pura necessidade...

 
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 17/09/2013
Reeditado em 19/03/2021
Código do texto: T4486357
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