[A emoção da intensa angústia do instante]
Acabo de abrir um livro de Fernando Pessoa [Alvaro de Campos], e vejo as datas das minhas visitações aos poemas ou a algum trecho que me chamou a atenção ao tempo em que o li... Costumo marcar a lápis a data em que estive ali, naquele poema... Em alguns, há marcas de visitações de mais de 10 anos... Ao mesmo tempo em que torno a me emocionar, caio em reflexão sobre o campo de cinzas da memória...
Há pouco tempo, eu concluí a leitura de "Ana Kariênina", Tolstoi... viagem rica de sensações, descobertas... Mas agora, já se instala um descampado na memória, um vazio onde antes havia tantas emoções que a leitura me trouxera... Uma queimada, uma devastação mental? Quase... quase!
Não sei dizer o que fica da leitura de um grande romance; talvez o impacto, algo assim, como um amassado, quase uma deformação [exagerei, eu sei!]... Mas, se não é isto, uma "trombada" séria, é quase isto... E mesmo os impactos mais antigos, como a leitura de "O Idiota", "Crime e Castigo" [Dostoievski], "O Amante de Lady Chatterley" [D.H. Lawrence] já estão bastante esmaecidos... Em breve, o que restará destas coisas em meu cérebro, em minha mente? Nunca saberei. Talvez uma vaga sensação de ter estado ali, nessas estações onde o meu espírito fez parada...
Vez ou outra, eu costumo me mudar de "mala e cuia" para o interior labiríntico do universo do "Grande Sertão: Veredas"... mas isto é fácil para mim, pois é um universo próximo ao da minha infância, e as coisas da infância, permanecem vincadas em minha mente... Assim, mantenho vivas as passagens...
Não mais me preocupa essa devastação da memória, e por uma razão muito simples: já vivi muito, muito... e com certeza, eu não terei mais tempo para esquecer as coisas que leio. Agora, tanto na leitura como na vida, é mais, bem mais claro que antes, que esse é o tempo de viver o instante, sem reservas, sem querer fazer provisões... guardar, para quê?! Eu só quero ter a emoção da intensa angústia de querer só por um instante, e mais nada... Folhetim, página virada!
... Pois, como disse o meu conterrâneo, o finado João Rosa, no fecho do "Grande Sertão": travessia... E eu ajunto: e ao depois, nada, mais nada!
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[Desterro, 17 de setembro de 2013]