O DESEJO DE PINTAR

Ora, caro poeta! Quanta fecundação vivaz num trocadilho melancólico a perpassar a alma; palavras, obra de se invejar, rara como sentir, verídica como quanto desejar.

Ora, excêntrico poeta! Conceda-me tua honra em tomar seu umbigo, passo adiante e a imortalizo...e assim foi dito:

Infeliz, talvez, seja o homem, mas feliz é o artista a quem o desejo dilacera!

Fico louco de vontade de pintar aquela que me aparece tão raramente e foge tão depressa

quanto uma coisa bela, inesquecível, atrás do viajante levado pela noite. E já faz tempo que ela

desapareceu!

Ela é bela e, mais que bela, é surpreendente. Nela o negror é abundante: e tudo o que ela

inspira é noturno e profundo. Seus olhos são duas cavernas onde cintila, vagamente, o

mistério, e seu olhar ilumina como um relâmpago; é uma explosão nas trevas.

Eu a Compararia a um sol negro, se pudesse conceber um astro negro vertendo luz e

felicidade. Mas ela faz mais facilmente pensar na lua, que, sem dúvida, a marcou com sua

terrível influência; não a lua branca dos idílios, que parece uma fria noiva, mas a lua sinistra e

embriagada, suspensa ao fundo duma noite tempestuosa, empurrada pelas nuvens que

correm; não a lua pacífica e discreta que visita o sono dos homens puros; mas a lua arrancada

do céu, vencida e revoltada, que as Feiticeiras tessalianas constrangem duramente a dançar

sobre a relva aterrorizada!

Em sua pequena fronte habitam a tenaz vontade e o amor à presa. Entretanto, sob esse

aspecto inquietante, onde as narinas móveis aspiram o desconhecido e o impossível, brilha,

com inexprimível graça, o riso de uma grande boca vermelha e branca e deliciosa que faz

sonhar o milagre de uma soberba flor que desabrocha em um terreno vulcânico.

Há mulheres que inspiram o desejo de vencê-las e de divertir-se com elas, mas essa dá vontade de morrer lentamente sob seu olhar.

O spleen de París - Poemas em prosa (Charles Baudelaire)

Epílogo - Vantófilli