Gavetas
Guardadas no fundo,
escuro,
no canto,
em segredo;
para ninguém olhar o que se esconde.
Caixa enfeitada,
anéis dourados, pra que?
Se os maiores tesouros são
escritos à mão.
São pedaços de mim,
retorcidos
calados,
restos de poesias dissipadas
em papeis velhos
com letras embriagadas;
contos que já sei de cor.
Mandam-me queimar,
mas seria o mesmo
que atirar-me numa fogueira.
Pois sou tudo o que escrevo,
linhas amargas
tudo que vejo, e declamo -declaro-.
Em silêncio
Mas tranco tudo numa gaveta
e me amarro em versos,
amarro em pedaços de mim mesma
para juntar-me
para colar de volta.
Prendo amores, em rimas.
para que não fugas
e fique bem longe
dos olhares agourentos,
basta meu poço de azar
e fique bem longe de quem
desate meus laços
bem longe de quem lê o que faço
para manter-me na sanidade.
A gaveta é purgatório, e paraíso
e o mar, seus olhos.
No final de cada verso
alguém chora.
Por vezes quis que meus cantos
fossem alegres
mas nas gavetas, não há mais cantos
que se encarreguem.