Sobre homens e gatos

Apareceu moribundo e maltrapilho, o coitado. Ruim do estômago, das feridas. A barba fedia! Mas, lá no fundo daqueles olhos mansos, eu encontrava um porto seguro.

Nem me disse seu nome. Não se apresentou. Esperou que eu o convidasse para um banho e, assim que entrou no banheiro, sem a menor cerimônia, arrancou as roupas e pulou pra dentro da banheira com se fosse um mergulhador em alto mar. Morri de vergonha! Dei-lhe as roupas que um certo senhor deixou por aqui depois que sumiu. De bom grado, aceitou. Saiu do banheiro barbeado, limpo, e com os olhos mais confiantes.

Ofereci chá, aceitou. Comeu os deliciosos biscoitos amanteigados da Dinamarca como quem devora um mocotó. Apesar de não ter classe nenhuma, me fez gosto vê-lo jantando. Tomou o cuidado de limpar a boca na manga da camisa antes de levar o cálice de vinho do porto à boca. Quase derreti...

Sentei-me ao lado do fogareiro com a esperança de ouvir algo que definitivamente me colocasse em meu lugar. Ele se aproximou e, gaguejando, me disse que não sabia como me agradecer. Fechou os olhos, pediu que eu fechasse os meus e carinhosamente pousou seus lábios nos meus, deixando-os úmidos e esperançosos.

Quando abri os olhos, ele já não estava mais.

- Eu vi, Rosinha! Tinha um moço aqui dentro ontem... está namorando?

- Não. E não era um moço. Era outro gato. Você cuida, alimenta, acarinha e, sem mais nem menos, ele some. Qualquer dia reaparece: sujo, doente, mal cuidado, mal vestido... e eu torno a cuidar de novo pra que tornem a sumir de novo.