Bolo de aniversário; era um belo dia.
Era um dia lindo, ele me dizia. Era um dia maravilhoso, eu concordava, sem ao menos ter dado um passo pra fora daquelas benditas paredes do meu quarto. Por entre a fresta da janela uma luz de sol forte entrava e atingia a minha perna me fazendo um carinho. Era ele me dizendo, reafirmando, que era um dia lindo. Era ele reafirmando a si mesmo, tentando convencer a nós dois de que realmente era um dia muito bonito. Ele lá fora, na rua de casa, ele e o mundo, sozinho. Eu aqui dentro, eu e os bilhões de livros na prateleira, sozinha. Deixa-me entrar, pedia com carinho, pela fresta da janela. E eu, daqui de dentro, retrucava baixinho, não. Não, não, e não. Venha cá você me buscar. Deixa-me entrar eu, deixa-me entrar pra fora. Parecia erro gramatical. Éramos apenas nós dois, éramos apenas um projeto de casal que não havia de dar muito certo.
Enfim, era um dia bonito. Ela havia comprado um bolo e docinhos. Estava tendo uma festa da porta pra dentro. Ele não sabia, eu tão pouco compreendia. Parecia mais funeral.
Mas ela havia preparado tudo, como manda o figurino. Minha mãe, aquela que sempre desgraçava tal apelativa e desesperada comemoração. Ela, que parecia mais desesperada do que os desesperados da elite burguesa que tanto almejava ter de volta. Elite essa que aprendi a desprezar. Caro engano este das mães. Mal sabem elas que nos ensinam a odiar tais coisas na tentativa do contrário. Erros a parte, ressaltemos o inicial: havia comprado o bolo e os docinhos. Reclamara tanto que o fazia por obrigação que nem reparara que ninguém havia aparecido naquele belo dia. Uma, duas, três, vinte e três e cinquenta e dois minutos, ninguém. Por mais que odiasse tal festa, nada era mais indigno do que ninguém aparecer pra pelo menos comer, com a mesma insatisfação e sensação de obrigação que haviam sido comprados estes tais bolos e doces. Mas não havia ninguém à porta se não ele. E esse era meu maior medo ao deixa-lo entrar pela porta.
E esse era também meu maior medo de sair pela porta. A expectativa. Não ligaria, pra ser sincera, se ninguém aparecesse no meu aniversário de sessenta e tantos anos. Quanto mais nos seguintes. Não me incomodaria, juro. Mas que não tivessem me aparecido nos anteriores, com grandes embrulhos de "te vejo ano que vêm". Sem bolo, sem docinhos.. Não me incomodaria a falta de ninguém.
Sem que você entrasse, não haveria a expectativa de te esperar voltar.
Era um belo dia lá fora, com certeza. Mas e se amanhã amanhecesse em meio à trovoadas? Podia ser um belo dia, mas nada adiantara ser belo se não pretendia voltar pro meu aniversário de cento e setenta anos.