Da Simplicidade das Coisas Simples
 
A simplicidade das coisas simples é, por vezes, bastante complicada. O amor (Ah! O Amor...) é essa alegria na dor, essa agonia do que vem a ser quando não é nada do que deveria ser. Ou quando teima em ser sempre outra coisa. E sempre tem de haver este medo de sabe-se lá o que, pairando entre este e o próximo passo, entre esta palavra e outra, este salto no escuro, esse bater de asas na amplidão do desconhecido abismo.
Pudesse não sentir, o amor ou o medo dele, escolheria sentir mesmo assim, ou sentir mais e melhor do que agora, sentir os dois, tudo de antes e tudo do depois, o amor e sua dor, suas tolas certezas e suas maravilhosas dúvidas. Escolheria o amor do jeito que sempre é e sempre foi, do jeito que sempre será, ainda que se invente interpretações ou roupagens novas e algumas tantas inúteis explicações, viveria o amor como for, como deve de não ser, isto tudo que não sabemos mas queremos, isto tudo que não percebemos nem quando temos.
Fico esperando o impensável, fico pensando o inesperado. Acredito na vaga possibilidade das coisas impossíveis. O inatingível só é o que é porque nunca foi tocado pelas minhas mãos. Todo o imponderável é somente tudo aquilo que ainda não foi inventado.
Por isso é que sempre dou de inventar as maiores invenções das que nunca foram ainda inventadas: invento esse amor sem tamanho, que cabe apenas no espaço de nossos passos e no tempo de nossas vidas. E é assim que posso inventar a eternidade das coisas efêmeras, a grandiosidade das coisas pequenas, a complexidade das coisas simples, simples como a dor, a cor, o olhar, o odor, o amor, a flor.
E tudo o que é não é sendo tudo aquilo que não é. Somos o que não somos. E sendo seguimos não sendo nem o que seríamos se não fôssemos o que nem somos. Se formos. Quando formos.
Há tanta significância nessas coisas insignificantes. Há tanto de desimportante nas coisas mais importantes. Há tanto horror nas coisas belas quanto beleza nas coisas mais horríveis, a flor que morre, a janela que se fecha, a criança que sorri em meio a tristeza, a solidão daqueles que caminham pelas ruas ao lado de tantos que caminham pelas ruas, o sonho da mãe de embalar seu filho e o desejo do pai de alimentar a mãe que o embalasse, as esperanças perdidas, os desperdícios todos e tantos de tanta coisa bela que não vemos, não somos, não fazemos, nem sabemos. A criança que brinca distraída no meio dos escombros de sua cidade arrasada pela guerra. O sangue, a morte, a ausência, o brinquedo quebrado, o prato vazio, a barriga cheia de sonhos.
Além disso, não há mais nada. Talvez haja apenas o olhar que escolhe sem querer as coisas que quer ver e as coisas que não quer ver, ainda que seja aconselhável que se veja tudo. Porque também é ver o saber que não se pode ver. Se me fosse dado tudo, eu ia querer mais. Se me fosse tirado tudo, eu daria ainda o que nem tenho para que levassem até o que eu nunca tive.
Porque não preciso de palavras para o silêncio que sei fazer. Todos esses meus pensamentos que escapam são só equívocos do meu constante estado de esquecimento. Não posso tocar com as mãos este abandono que sou. Não posso me ver desta distância que estou de mim mesmo, não posso me saber isto tão pouco que nem imaginei. Não posso. Esqueci ou não aprendi.
Nada seria assim tão simples se não fosse assim tão complicada, como o amor, este amor, essa coisa pairando a meia distância do que não se viu e o que não se ouviu. Talvez do que sentiu. Talvez. Se tiver sentido talvez. Talvez...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 03/09/2013
Reeditado em 19/03/2021
Código do texto: T4465161
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.