Eu não sou dono de mim
Não, não tenho mais nenhuma dúvida disso:
Eu não sou dono de mim!
Separei algum tempo,
de todo o tempo que tenho de vida,
pra refletir.
Sou privilegiado.
Em seu frenético redemoinho,
a vida me concede,
todo o tempo,
incontáveis desafios.
São generosas oportunidades.
A maior parte dessa dádiva pode ser revertida em aprendizagem:
às vezes, tem-se o sabor da vitória;
outras, o frustrante dissabor do fracasso.
Mas viver é isso!
Viver é sempre privilégio,
é sempre dádiva,
é honraria.
Por isso separei algum tempo pra refletir.
Foi assim que me vi criança
com aqueles sonhos deslumbrantes de toda criança:
– desenhei mares e ilhas e montanhas que eu imaginara,
mas que, nem em sonho, pensava em visitar...
– ouvi, copiei e sussurrei canções às escondidas,
embevecido e desfrutando sensações,
sem no entanto saber o que de fato queriam me dizer...
– brinquei de príncipe e habitei castelos e imaginei batalhas,
até que acordei e era hora de trocar as ingênuas fantasias
por outras já nem tão ingênuas...
Foi assim que me vi com todos aqueles sonhos insinuantes da juventude:
– aventurei caminhos que eu jamais imaginara,
mas que estavam ali
e eu precisava caminhar...
– falei, repeti e defendi verdades e jurei promessas,
até que acordei e era hora de trocar as imposições e posições que eu defendera
e de aceitar opiniões estranhas às minhas
e de me municiar de tolerância,
porque convivência é partilha
e coexistência é respeito à pluralidade...
Foi assim que me vi múltiplo
e descobri o que não descobrira quando era ingênuo
e me julgava dono de mim:
concluí que sou feito de muitos;
sou muitos pra ser eu e sem eles sou ninguém:
sou um tanto o que sobrevive em mim de meus pais
e dos pais de meus pais;
sou outro tanto o que, de vez em quando, não consigo disfarçar e vem claramente de meus irmãos;
sou ainda e, principalmente, o que há de melhor
e, às vezes, de repreensível, em meus filhos.
Aliás, com o tempo que acelera e se torna tão implacável,
vou me apagando de mim mesmo...
e só me sei ainda existindo porque cada vez mais me vejo nos meus filhos
e me percebo aqui e ali renascendo nos filhos dos meus filhos...
Sou feito de muitos
e sou feliz agora
talvez porque, pra ser feliz, eu só precisasse mesmo aprender
que a vida é pura dádiva e generosidade.
São Paulo, 15/05/2011 – 20h39