ORÁCULO

Virá o tempo

em que pedir-se-á ao poeta

contas pelo esbanjamento dos versos comuns;

pela negação dos leitos escondidos nos sinônimos;

pelas maçãs entregues

aos porcos-verbos de tempos pretéritos;

pelos ventos do leste engarrafados em sonetos;

pelos cravos brotados além mar;

pelos botões natimortos das roseiras;

pelo néctar negado aos colibris e às abelhas

e pousada as borboletas.

Virá o tempo

em que pedir-se-á ao poeta

contas pelos sofrimentos em superlativos;

pelos calçados calçados com pregos;

pelas ferroadas das formigas

nos corações dos transeuntes;

pelas irreversíveis chagas abertas

nos cérebros dos robôs caminhantes;

pelas almas das bonecas atiradas na lama;

pelos gemidos e gritos de dor das estátuas;

pelo suor das virgens florestas tropicais

plenas de esperança, mistérios e poesia.

Virá um tempo

em que pedir-se-á ao poeta

contas pelos frutos maduros

derrubados e consumidos pelos vermes

gerados em suas próprias polpas putrefactas.

Virá um tempo

em que os lobos das montanhas

descerão em busca do poeta

e, não o encontrando,

comerão, com desmedida avidez,

os edifícios e castelos dos seus versos,

deixando sobre a relva seus fétidos excrementos

de onde brotarão novos versos viçosos.

Os vampiros voarão nas trevas

buscando o sangue quente das jugulares das musas

para os seus indescritíveis bacanais.

O poeta, nesse tempo,

esconder-se-á sob versos abstratos

e em trincheiras de verbos e palavras...

Virá o tempo

em que o tempo soprará a chama d’alma

do velho poeta...

Aí então,

caminhando por sendas impensadas,

vazio de versos e vida,

o poeta será

uma lápide

(duas datas e um nome),

será lembranças

ou simplesmente nada...

(Setembro de 1973)